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quinta-feira, 28 de abril de 2016

Atiro no primeiro que falar [067]


 

Entro armado no palco e grito:
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio. As luzes acordam,
encarniçam-se e procuram o homicida
na minha fronte de amante suicida.
Declaro-me, exponho-me, mostro-me.
Não me defendo, estou inocente
mas lanço granadas de fumo.
O drama e a trama, sem ponto,
são metáforas polimorfas esboçadas
à luz de espelhos curvos da memória.
Ela entra em cena,
duplicada de mel e fel suplicantes:
- Faz-me tua… ou MATA-ME…!
Acaricio as suas formosuras, trapos vivos
atados ao anzol para engodar peixes famintos,
levanto a pele de um fruto proibido
e devoro a polpa até ao tutano.
Ouvem-se rumores…
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio de novo. Ela fica com aquele
olhar cortejado, diria maroto, de um qualquer
filme mudo de animatógrafo obsoleto,
que é apenas o olhar simples e intrincado
de mulher desarmada, que tanto irrita
outras mulheres por saberem que esse olhar
perturba espectadores-homens, de olhos,
mãos e nariz insolentes,
habituados a avaliar os melões apenas pela casca.
A serpente, já entorpecida, agora num
êxtase melancólico de leoa empanturrada:
- Faz-me tua… ou mata-me…!
E eu, todo nu, sem deixa que me valha:
- Atiro no primeiro que falar.
O pano cai de repente. Na plateia
morrem olhos a procurar uma serpente.
 
Jaime Portela

59 comentários:

POESIAS SENSUAIS E CONTOS disse...

Brilhante e expressivo texto. Parabéns

José Carlos Sant Anna disse...

Um belo gesto de representação em que fica evidente a analogia com a palavra. Muito bom, Jaime!

Brisa disse...

...um olhar simples e ao mesmo tempo intrigante as palavras do teu texto...
Meu amigo Jaime desejo-te um bom fim de semana que se aproxima...

Bjo

Emília Pinto disse...

Mas, mesmo a rosa a quem a natureza não lhe deu o dom da fala, se pudesse diria : " atiro no primeiro que falar " Afinal, ela nasceu com a incumbência de embelezar os jardins, encantar o ser humano com a sua beleza e iluminar o dia sombrio com o seu variado colorido; mas....pouco depois desse seu esplendor começa a definhar, murcha e lá se vai; fica o caule verde, como que a dizer-nos que não percamos a esperança, pois ela voltará e teremos um novo começo; mas até ele sabe que não é bem assim; deixam de o regar, e ele lá se vai e junto vamos nós um pouco a cada instante que passa. E neste palco que é a vida entramos nós há muito ou há pouco tempo, armados, desarmados, mostrando-nos, expondo-os, dizendo-nos culpados ou inocentes; somos de tudo um pouco e de um intante para o outro deixamos de ser esse tudo ou esse pouco ou até aquele nada que por vezes nos achamos Mas, enquanto estivermos neste palco, deixemos que nos acariciem, que nos toquem, que nos amem e aproveitemos , enquanto não desce o pano para apreciar as rosas, porque , como nós elas definham, perdem a cor, o perfume desaparece e " na plateia morrem olhos " num silêncio perturbador.
Hoje uma flor se foi...não tinha brilho, a cor era muito, muito suave, mas conseguia iluminar o caminho das pessoas que por ela passavam; estive por momentos a observá-la e agora a saudade se instalou. O palco continua aqui e o pano levantar-se-à para uma nova cena.Jaime, espectacular, como sempre. Um beijinho
Emilia

Aninha Ferreira disse...

quando comecei a ler fez-me lembrar o 25 de abril, talvez por ter sido a tao pouco tempo, mas a medida que fui lendo vi que de um cenario frio e violento passei a ver este poema como um lugar bem quente

Cidália Ferreira disse...

Maravilhoso e intenso poema!Adorei ler.

Beijinhos-bom fim de semana.
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

Odete Ferreira disse...

Bem, que suspense! Um poema que surpreende e cativa pelo ritmo e por um certo non-sense.
Lembrei-me de algumas peças teatrais do "nouveau romam". Se fosse estivesse na plateia, aplaudiria pelo momento artístico conseguido! Muito bom o final, precisamente para acentuar a linha de que falei.
Bjo, amigo :)

Maria Teresa Valente disse...

Intrigante e expressivo seu poema, Poeta Jaime Portela!
Excelente sexta-feira, abraços carinhosos
Maria Teresa

Wonder disse...

Meu caro e grande amigo Jaime Portela... Escreveste de forma poetica aquilo que no meu ver és uma arte da escrita, a qual se revela entre o abre e fecha das grandes cortinas...
Um grande abraço de seu amigo do blog uanderesuascronicas.
Desejo-te um ótimo e abençoado final de semana.

Andre Mansim disse...

Muito bom poeta mestre Jaime!!
Muito bom mesmo. Texto perfeito!!!!

Minhas Pinturas disse...

Maravilhoso poema de suspense e empolgante.
beijo, Léah

.

Suzete Brainer disse...

Um poema-peça teatral, que nos captura
pela criatividade do Poeta,
um labirinto de enigmas que se desenrola
no surpreendente!...

Um ótimo final de semana, caro amigo Jaime.
Beijo.

Lua Singular disse...

Oi Jaime,
Adorei seu palco onde os palhaços medrosos não sabiam o que fazer. Juro que gostaria de estar nesse teatro e gritar: ama-me ou mata-me, aí as luzes se apagariam, Pois eu viraria um horroroso monstro e você saindo correndo de cabelo em pé.kkk.
Eu era frequentadora assídua de teatro quando morava numa metrópole.
Gostei muito...
Beijos
Lua Singular

Graça Alves disse...


Olá, Jaime!
Eu recebo sempre as novidades na minha lista de leitura, às vezes tardo...mas venho...
Este poema, tal como os outros, é muito interessante, com frases em discurso direto e tudo! Agressivo, mas sublime!
bj

franciete disse...

Olá meu amigo, faz tempo, faz tempo que por aqui não passava, a vida quanto mais passamos por ela mais recatados vamos ficando.
A vida nos trás à memória os tempos lindos que já lá vão, então daí vamos esquartejando os farrapinhos que ficaram e os vamos transcrevendo para a tela que também já faz parte do nosso tempo, este tempo mais recente que jamais podemos esquecer.
Amigo tenha se for possível um lindo final de semana com beijinhos de luz e muita paz.

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Expressivo e surpreendente! Gostei muito!
Abraços e um bom dia, Jaime!
Mariangela

Marta Vinhais disse...

A vida num palco... Ás vezes, num monólogo feito de lamentos, outras um discurso inflamado... Paixões, ódios, traições, ciúmes...
A vida feita de momentos...
Gostei muito..
Obrigada pela visita

Beijos e abraços
Marta

Blog da Gigi disse...

Lindo final de semana!!!!!!!! Beijos

CÉU disse...

Não resisti, Jaime... Eu não estou a falar, mas a escrever, portanto não me mate... por favor... Todavia estou a olhar e a pensar.
Ah... a mulher... ah, aquela mulher, sereia, amante, nereida, serpente e de olhar fulminante...

homem do Norte e, teatralmente, apaixonado, fora de si, age, geralmente, assim. Vou já sair daqui, perturbada e assustada, entre aspas, pke sou do Sul, ai, e ainda por cima o homem, entre aspas, está nu.

Atiro-lhe um beijo, aqui, bem de longe. não sei se voltarei, Jaime...

rosa-branca disse...

Jaime, é caso para dizer:- Mas que cena meu!...adorei o poema. Tenho que te dizer que tinha curiosidade em saber o final. No palco como na vida. A vida é um palco e nós somos os actores. Aviso que, quem ler o meu comentário e não concorde...(- Atiro no primeiro que falar)Hehehe... Bom fim de semana e beijos com carinho

Laura Santos disse...

Admiro a tua capacidade para renovar o acto poético. Contundente e original. Como se de um trecho de ópera se tratasse. Diria que abriste e fechaste muito bem a cortina, e não perdeste a palavra, porque em ti vive o esplendor da poesia.
Bom fim de semana, Jaime, e até sempre!
Continuarei a ler-te, isso é certo.
xx

São disse...

Fora do teu estilo habitual,este poema .... mas sempre muito boa a tua poesia !


Amigo meu, bom Dia da Dança :)

Gracita disse...

O cenário poético é tão perfeito que deixa o leitor em suspense num misto de êxtase e comoção pelo desenrolar da trama
Belíssimo poema Jaime
Um grande abraço meu amigo

Pedro Luso de Carvalho disse...

Caro Jaime,
Nesta minha condição de leitor-espectador, na apresentação de seu poema-teatro, deixo a sala de espetáculo satisfeito com a sua peça. \parabéns amigo. Muito bom.
Um abraço.

Arco-Íris de Frida disse...

Achei forte,intenso ... e belo...

Abraços, Jaime..

Lu Nogfer disse...

Fantástico e intenso como sabes ser a cada poetar.
Beijinhos!

Graça Pires disse...

Fantástica esta contracena. Deu para me sentir espectador "na plateia
morrem olhos a procurar uma serpente". Muito bom, Jaime.
Um beijo.

Ana Freire disse...

Num cenário e contexto menos usual... mas de igual arrebatamento...
Um poema para se ler sofregamente da primeira, à última palavra... e onde o prognóstico, do desfecho da cena... só se descobre no final do poema...
Emoção e suspense numa excelente combinação!... Gostei!!!!
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana

Aline Goulart disse...

A tua poesia é feita de intensidade. Por isso, nos cativa tanto. Excelente poema, Jaime! Tu tens o dom para fazer poesias com total excelência.
Beijinhos e um ótimo fim de semana.

VITORIO NANI disse...

Olá, Jaime!
Essa cena forte, de um iminente homicídio seguido de suicídio, passional, lembra um pouco os últimos momentos de Otelo!
O que torna diferente seu poema, é que apesar de se fechar o cenário, fica no ar a expectativa de um novo Ato!
Um forte abraço e bom final de semana!

Karocha disse...

Que poema de amor tão complicado Jaime

Boa semana

Bjocas

Manuel Veiga disse...

para além de Poeta talentoso revelaste também um inspirado "encenador" de emoções!

magistral o efeito surpresa final...

abraço, caro Jaime

Ana Simões disse...

Olá Jaime. Fico sempre maravilhada quando o leio. Cada palavra carregada de sensibilidade é um despertar de sentidos.
E como tal, ofereço-lhe o Prémio Dardo.

Beijinho

http://partinhasvegetarianas.blogspot.pt/

JANE GATTI disse...

No palco da vida, a angústia de optar: ter ou perder... E a escolha é solitária, a plateia, muda, não tem o direito nem a voz para opinar... Instigante poema. Abraços, bom domingo!

Arione Torres disse...

Oi amigo, vim lhe desejar uma ótima semana, abraços e fique com Deus!!

RENATA CORDEIRO disse...

Assisti a uma peça muito bem representada pelas suas justas palavras. Excelente.
Beijo*

SOL da Esteva disse...

O Teatro da Vida é complicado.
Mas o texto é magnífico.
Parabéns, Jaime



Abraço
SOL

Magda Carvalho disse...

Boas palavras :)
http://retromaggie.blogspot.com/

Fê blue bird disse...

Li, reli e senti cada palavra, cada gesto e cada cena.
Aplaudo de pé de olhos bem vivos sem medo da serpente.

Um beijinho poeta amigo Jaime

Unknown disse...

Parabéns, amigo, Jaime, poema perfeito, forte, impactante, amei. Uma ótima semana para você. Beijo.

Marcia Lopes Lopes disse...

Homem! Que texto bárbaro! Brilhante mesmo. Parabéns.

By Me disse...

Aplaudo a nova faceta; arte dramática muito bem estruturada!"drama e trama"...
Soberbo! querido amigo JP!
Beijo

MARILENE disse...

Fantástico, Jaime! Não faltou emoção ou suspense nesse ato, do qual se fica a esperar algo mais, com o cair das cortinas. Abraço.

Arte & Emoçoes disse...

Passei, relutei e entrei. Não resisti.
Era tudo inacreditável, mas eu cri.
Feliz e encantado, chorei, sorri,
E saí pasmo, maravilhado com o que vi.

Lindo Jaime! Parabéns!

Abraços,

Furtado.

Unknown disse...

O meu blogue inicialmente foi criado na sapo,portanto,é perfeitamente normal que ele continue lá!! Não vejo razão nenhuma de fazer as minhas postagens nos dois lados,além de me dar muito mais trabalho!!

sandrinha disse...

Espero que possas visitar e comentar o meu blogue quando tiveres vontade disso,excelente semana!!

sandrinha disse...

Olá,venho agradecer-te o comentário que me fizeste nesta minha postagem: http://sandrasofiagoncalvesafonso.blogs.sapo.pt/nomes-dos-caes-de-manuela-moura-5024, respondendo ao teu comentário,eu até acho graça à Manuela,ela é muito cómica!! Quanto aos nomes dos cães dela,devo confessar que também não gosto dos nomes!! Já em relação ao teu p.s eu sei disso perfeitamente,muitos beijinhos e fica bem,espero que voltes mais vezes e que comentes muitas vezes o meu blogue,as tuas opiniões serão sempre bem-vindas e respeitadas!! Eu,uma vez que,agora,conheço o teu cantinho,prometo que passarei por aqui muitas mais vezes,fica bem!!

Mariazita disse...

Arrebatador!
Senti-me numa " fauteuil de orquestra" e no final aplaudi de pé!!!
E toda a assistência me seguiu e aplaudiu também! :)
Na minha modesta opinião... do melhor que li escrito por ti, querido amigo Jaime.

Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

Maria Rodrigues disse...

Um poema teatral, adorei!!!
Um abraço
Maria

M. disse...

Bravo, Jaime, poema excelentemente escrito!!!

Canteiro Pessoal disse...

E não perdes a majestade na escrita!

Saudades em visitar seu cantinho!

Abraço,
Priscila Cáliga

saudade disse...

Imaginei-me nessa tua plateia ao ler o teu post.... Belo como sempre...
Beijos de...
Saudade

CÉU disse...

Intenso, talentoso, arrebatador e passional.
Gostei imensooooooooo, Jaime...
Beijo e bom fim de semana.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

um cenário, para um palco de uma peça-poema
muito original e muito bom.
gostei!
beijo
:)

Jaime Portela disse...

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Caros amigos
Obrigado pelos vossos comentários. Voltem sempre.
Entretanto, acabei de publicar novo poema. Espero que gostem.
Continuação de boa semana para todos.
Saudações poéticas.
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Fá menor disse...

E haverá sempre quem atire a primeira palavra...

Bjs

Ailime disse...

Boa tarde Jaime,
Um poema magnífico, algo dramático, tendo como palco um cenário em que se desenrolam situações da vida que por vezes temos dificuldade em entender. (Eu tenho).
Beijinhos e bom domingo.
Ailime

Ana Simões disse...

Senti-me enquanto lia o teu poema... sentada numa sala de teatro, visualizei a cortina abrindo-se e a peça começou... lia e a cada frase, entrava na peça, tal acontece quando leio um livro que me absorve por completo.
tens um modo de escrever que nos "agarra" desde a primeira letra até á ultima.. e por vezes, quase sempre.. sentimos pena de a leitura terminar. LINDO !
Beijinho Jaime.

Ci Dream disse...

De volta aos teus encantos e recantos... :)
beijinhos da Ci