terça-feira, 28 de julho de 2015

Na certeza de te amar [033]



Sustenho, por vezes,
a incerteza de uma imagem torturante
[na aparência embebida de mutismos]
e que, à deriva, abalroa quase tudo,
repetida e sem governo
como um bruto Adamastor.
Contudo, não te resistem
as cores de ardor e mel
nem o pronto retorno à tua carne,
onde o tempo se desfia {ora preguiçoso, ora moço]
e onde teço sinfonias de loucura
na certeza de te amar.




quinta-feira, 23 de julho de 2015

Hoje [032]



Hoje,
enquanto os meus dedos
percorreram a matriz da tua melodia,
não havia sinal ou silêncio
onde não rompesse o nosso sangue.
Hoje,
quando a noite descobriu
a exaltação irrefreável,
os pássaros ficaram mudos
de gritos mareantes
e o teto foi devorado
pelas ondas do teu corpo,
a arder em mim,
por entre rios de beijos à procura de oceanos.
Hoje,
enquanto brotou da minha carne
uma haste de vida, bebi da tua boca
o alegre desejo de morreres naquele instante.
Hoje,
só adormecemos o sangue
no morrer exausto da volúpia.
 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Um beijo sonante [031]


Por vezes,
sinto-me um verdadeiro Chopin.
Sento-me ao piano
mas a música ausenta-se sombria,
de asas pesadas ou até azedas.
 
Fico sem rumo num voo de cego,
em contratempo e perturbado
entre uma semifusa imprecisa
e uma colcheia longe do tempo.
 
Chego mesmo a magoar os dedos
em bemóis que se abreviam
com trejeitos de dor
a cada agressão dissonante.
Mas fico assim pouco tempo:
o teu canto de soprano,
de timbre perfeito, porque amarrado
ao vento de andorinha com norte,
pacifica-me os gestos
com um beijo sonante nos dedos.
 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Quero-te assim [030]




A tua boca açucarada
salga o meu palpitar desinquieto,
os teus lábios seduzem os astros
que ateias loucamente no meu corpo.

A árvore do bosque,
habituada a crescer adormecida
pela longa noite sem estrelas,
estremece do silêncio entorpecida
e grita edificada pelos teus ventos festivos
que a acordam.

A música que brota
da turba de luas que te abraçam,
soa a sinfonia de malvas colhidas
na quietude orvalhada do amanhecer.

A rosa estonteante é a partitura
que me embriaga até aos ossos
da pureza escondida no teu peito.

Quero-te assim, copiosa
de mel afrodisíaco, de flores silvestres,
de pétalas e sorrisos torneados de princípios,
mas descuidada
de paradigmas de inspiração avulsa.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Não me esqueci [029]




Não me esqueci
das meias sardinhas,
do vinho verde americano e da água de unto,
da exportação de carne para canhão
em nome da Pátria
e da vista grossa aos emigrantes “a salto”.

Sou uma prova da tirania,
já exangue, a benzer ignorâncias
e de ruas inteiras
só de mulheres e crianças.
- O meu home foi prá França…

E foi ditoso o momento
do princípio da mudança.
Mas, agora, o essencial é empurrar o hoje,
sabendo que nos alimentamos
do medíocre quase nada
de uma dieta de chicos espertos à la carte,
para da sua síntese arrancar alguma côdea
que nos mate a fome
que o terrorismo financeiro nos causa.