quinta-feira, 27 de abril de 2017

Na leveza vencida do olhar [117]




Encontrei um tesouro
quando senti um aroma delicado
nas palavras que tecias com afeto.
Tendo pensado em beijá-las
com a faina indefensável do meu jeito,
compus no teu corpo
o desejo alicerçado de o abrir.
Descobri um sorriso de luz
aberto nos teus olhos,
que bebi,
até que em mim, a escaldar, se fundisse.
A razão,
antes cansada do gota a gota do sol,
ficou turva da tua limpidez
em segredos embrulhada, que rasguei.
Na leveza vencida do olhar,
encontrámos um rio caudaloso
e conquistámos, hirta,
a persistência da carne a acreditar.



Jaime Portela


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Há quem diga [116]




Há quem diga
que o poema só vale uma ilusão
de salvar do naufrágio a certeza
arrumada além-mar do coração.

Há quem jure
que a alegria vale menos que a pobreza
de carpir a presença da saudade
no sorrir macilento da tristeza.

Também dizem
que um poeta só vale a ingenuidade
a cuidar que é verdade o seu amar
sem julgar o que é falso ou realidade.

Ainda assim,
é no todo que eu busco o meu trovar
sem banir a contenda que me assola
no silêncio dos cantos por achar.



Jaime Portela


quinta-feira, 13 de abril de 2017

As velas que nos arrestam [115]


Impúdica,
descobres-te de um jeito rebelde,
sabendo que o sol que irradias
me desacata e seduz
em recatos de palavras
emersas nas fragrâncias da pele
à contraluz do teu céu.

Atingido,
tacteio os teus seios miúdos,
fartos e dóceis
aos meus gestos lúbricos,
em carícias recíprocas dilatadas
pelas confidências nuas
de cúmplices amantes.

Na chave que desatina
em secreta fechadura,
sou o patrono,
sou o criado
das brumas que te molestam.

No mastaréu em espertina
em barcarola madura,
és a serva,
és a dona
das velas que nos arrestam.



Jaime Portela


quinta-feira, 6 de abril de 2017

A vida pode ser eterna e mansa [114]



Em cada momento,
conheces da vida a candura dos afectos,
sempre desvendados
pelo nariz atrevido de ateia cristã
e embalsamados em sonhos na retina,
visíveis pelo brilho entrelaçado nos teus olhos.
É o agora a silenciar o depois…

Vacilando entre a luz e as sombras,
viajas com os olhos
por entre a chegada em alvoroço
e a partida de afogo insuportável,
com a boca ferrada na dança dos corpos
a embalar o inadiável,
numa cama de metáforas onde te deito
e te amo.

O deslumbre da Primavera
é o tempo de içar velas na certeza
de marearmos na esteira da estrela cicerone,
que de nós tão companheira
nos guia de mãos dadas.

Caminhamos na cumplicidade
de passados dispersos,
beijamos a pele de uvas maduras
de paladares antigos,
renovados na paz dos frutos silvestres
saboreados com o mosto que no corpo fermenta.

Navegamos na embriaguez a projetar-se,
lenta e voluptuosa,
na ternura tatuada do desejo sem saída,
acerejada  no incêndio festivo
do teu botão de rosa
em inúteis espinhos escondido,
que afago em gestos finos,
numa partilha em dádivas prementes concebida.

Para nós,
a vida pode ser eterna e mansa,
sem pressa, sem sustos ou medos de criança…


Jaime Portela