quinta-feira, 29 de junho de 2017

O princípio do fim começa agora [126]




Nascem lendas, morrem mitos,
rasgam-se mapas vivos
com as naus que timonamos
a desbravar a existência
com mãos-cheias ou vazias de bom-senso.
Salgamos a loucura
num mar de humores desbragados.

Sobrevivemos a mares exaltados
ou flutuamos a navegar
em lagos chãos de águas frescas
ou inquinadas, muitas vezes,
por outras naus desumanas.
Somos náufragos do tempo
onde se quebram certezas.

Em qualquer caso,
fiquemos preparados,
porque empurrado por ventos de feição
ou desnorteado por bússolas cegas,
o princípio do fim começa agora.

 


Jaime Portela

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Era um fogo sem margens [125]









Era um fogo que vinha,
não vinha, voava,
saltava no vento
e surgia do nada.
Que ardia e se via
na beira da casa
e na berma da estrada.
Que rodopiava
por tudo e por nada
que não crepitava,
estalava.
Era um fogo a lavrar
no que havia a limpar
à porta das portas
e na cama das matas,
desordenadas.
Que tudo crestava
por onde passava
e até as gargantas
fumadas queimava.
Era um fogo sem margens,
sem peias nem meios,
com dúzias de vidas ceifadas.
Era um fogo indecente,
incomplacente,
onde só as crianças
foram inocentes.



Jaime Portela

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Estás tão longe de mim [124]




Estás tão longe de mim
que viajo até à nobreza do teu decoro de velas
suspenso no feixe de luz que te nasce do olhar,
porque o guardo comigo para voarmos bem perto.
Quando chegas,
é como rosa em botão que te descubro,
ainda fechada,
solitária e pronta a explodir
em mil sóis de pétalas que me abraçam em delírio.
Peça por peça,
vou-te mostrando no brilho que te inunda
as pedras preciosas
que me dás infatigável do teu ser ao desbarato.
Eterna menina em flor,
musa traquina de afetos, estás tão longe,
nas brumas…
mas tão perto de mim e da luz
que posso beijar os teus dedos, os teus sonhos,
numa dança desfragmentada de lembranças,
corpo a corpo, onde te mimo e te amo.

 


Jaime Portela


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Esta noite [123]




Esta noite
quero demorar-te em mim,
quero ficar em ti, provar-te
e ser saboreado na carne da alma,
no magnetismo indizível
que a distância não embarga.

Esta noite
quero fazer de ti o meu canto,
de mim o teu encanto,
quero tactear os teus sinais,
respirar à luz do fogo
que ateado em duplicado
dissolva a nossa ausência.

Esta noite
quero tocar em ti resplandecente,
quero desarrumar-te,
sorver o borbulhar do teu corpo
e verter champanhe bruto
na tua taça de cristal.

Esta noite
quero sonhar contigo,
quero brindar-me inteiro
no teu corpo vivo em desejo.

 


Jaime Portela


quinta-feira, 1 de junho de 2017

Percorri a utopia do teu corpo [122]




Percorri a utopia do teu corpo
e descobri os recantos
de gelos arcaicos vividos.
Rebentaram águas quentes,
inquietas,
feitas nascentes em refúgios proibidos.
Agarrei-me à tua agitação provocante,
alucinante,
até à fraqueza.
Abandonámos o sonho
no zénite da explosão capital
a que nos conduzimos.
E quebrámo-nos para poente,
sabendo que
o sol nascente em breve renasceria.



Jaime Portela