quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Não sou marinheiro [209]



Não sou marinheiro, mas,
se for preciso,
serei o mais ousado pirata
a saquear uma galé.

Com um golpe seco,
serei capaz de rebentar
amarrações e retenidas malfazejas.

Irás a bordo comigo
para as ilhas livres de liames,
onde verás o Fogo de Santelmo
nos mastros de velas enfunadas.


© Jaime Portela, Janeiro de 2019


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Um clarão [208]



Um clarão,
talvez um murro
ou um sussurro
apreendido a colar-se no meu zelo
antes distraído.

Ou então

Um vagão, dois vagões,
um comboio
a passar,
a rolar por cima de mim
lavrando as suas marcas.

E eu

Um fruto nos teus dentes
às mãos do teu feitiço,
um prazer de doces
no existir
só apenas depois disso.


© Jaime Portela, Janeiro de 2019


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Icei as velas no vento [207]



Icei as velas no vento
das ondas do meu desejo
levei comigo o lamento
de sentir o que não vejo.

Meti rumo ao teu porto
regressei sem me perder
perdi-me ao ver teu rosto
antes mesmo de o saber.

Abarquei-te numa vaga
fundeei-me no teu cais
nem um sorriso se apaga
ao leme que sempre vais.

Marinheiros de água doce
navegaremos tormentas
um mar aberto que fosse
no sonho que me acalentas.


© Jaime Portela, Janeiro de 2019


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Elefantes bêbados [206]



Com a dúvida permanente, ficamos secos,
e, orvalhados na incerteza ou na ignorância,
tornamo-nos esfinges da desconfiança
e o que somos é um enigma para nós próprios.

Para andar em concórdia connosco,
ficamos em discórdia com os outros
e o contraditório chega a ser diabólico,
ainda que disso se possa fazer luz.

Por vezes, numa cegueira nisto curada,
vemos que atos, pensamentos
e o que temos sido, são tão voláteis
que nos espantamos do que fomos.

Se vemos que não somos o que pensávamos,
ficámos como elefantes bêbados
a espezinhar o que realmente somos
em vez de nos atirarmos à água da mudança.


© Jaime Portela, Janeiro de 2019


quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Para quê [205]



Para quê fugir-te se me encontras
sempre que queres
um amor a ferro e fogo de paixão?

Para quê esconderes-te
se não te sobrevivo na ausência
numa saudade futura de ti?

Para quê inventar se ao meu toque
o teu corpo estremece em poemas
submersos em regaços domingueiros?

Para quê iludir-me
se me tremem as mãos na tua pele,
aturdidas, ao enxergar a razão?

Para quê… se queremos
carícias desenhadas por todas as mãos,
sensatas e loucas, vadias e afáveis?

Para quê, então, tanta tortura,
se queremos noites quentes, desmedidas,
à medida do nosso encantamento?


© Jaime Portela, Janeiro de 2019