quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Já a Primavera se hospedara nos teus olhos [320]

 

Já a Primavera se hospedara nos teus olhos,

estampada nas pétalas que se abriam sem controlo,

quando me disseste que eras minha.

Não dormi nessa noite

com o Verão dentro de mim, acomodando-o

nos mil e um jeitos que relembrei das tuas falas,

com a oferta, quase bomba nuclear,

a explodir-me nas veias.

E, por cada fala, várias imagens

do teu corpo metodicamente construído.

Noite após noite, dia após dia, continuei,

porque o amor só se conserva em construção.



© Jaime Portela, Fevereiro de 2021


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Pão e queijo inseparáveis [319]


Cheguei inocente até isto.

Tudo  começou no dia em que,

meditando na pele de cigarra distraída,

te imaginei com o rigor da certeza,

sem me aperceber que fazias o mesmo.

Lembro-me que nos pesámos

como se fôssemos vazio.

E assim continuámos

numa quimioterapia de ausência

contrariada nos efeitos que se dilatavam,

a olhos vistos,

aos nossos teimosamente fechados.

Previdente, engendrei um plano de fuga infalível

num frenesim de formiga

atarantada pelas migas que caem sucessivas

no radar das suas antenas.

Mas depressa chegámos a isto

sem plano e sem fuga possível,

com a concórdia vital de seres avisados às costas

e, de mãos dadas, infalíveis,

com o mágico defeito de nos sentirmos

pão e queijo inseparáveis.



© Jaime Portela, Fevereiro de 2021


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O meu jardim [318]

 


Sobre o teu corpo,

no silêncio da serrania

e dos longos dias que nos ligam,

ouço a espuma [também a rosa]

que outras mãos tentaram colher.

Protegem-te, apenas,

finas películas neutras

[à base de mim]

que dão imunidade às tuas pétalas.

O vazio que sentes

de sementes sem colheitas,

faz com que os teus celeiros de afeto

não façam sentido

noutras mãos que não as minhas.

Pois é a rosa

[sob a espuma], que me diz:

outras mãos tentaram colher-me,

mas é para ti que eu me abro.



© Jaime Portela, Fevereiro de 2021


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Arbítrios [317]

 


De ti, tenho a luz de quase tudo o que és,

pois não tenho, de ti, o que não sei.

Para mim, és somente o que conheço de ti.

 

De mim, tens o ar do que pensas que eu sou,

porque não tens, de mim, o que não sabes.

Para ti, sou apenas o que já sabes de mim.

 

Contudo, é do que não sabemos ainda

que se alimentam, bem reais, os desejos

e os mistérios dos arbítrios tão humanos.



© Jaime Portela, Fevereiro de 2021