segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Os meus beijos [371]

 


Os meus beijos,

prometo,

não serão a miragem com ruído

à porta do teu olhar,

serão preces fiéis

ao perfume das giestas nos lençóis,

ao canto do pássaro cinzento

do nosso próprio desnorte,

que de triste se faz sol.

 

Os meus beijos,

prometo,

serão de mel,

ouvirás a flor que desabrocha

no pulsar vivo da luz,

terão na tua pele o fogo

em que me deito e levanto,

dar-te-ão a adrenalina, a asfixia,

uma pele de galinha de prazer

durante as quedas no abismo.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022



quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Quando desejo [370]

 


Quando desejo, quero tudo,

mas nem sempre o consigo,

nem é zero,

é antes qualquer coisa

algures no intervalo.

Então, a mentira é líquida

na maioria dos casos,

porque há a incompletude

do que quero.

 

Deveria ficar insatisfeito

ao conferir o que obtenho

ou até onde chego,

direi mesmo infeliz.

Contudo, porque o meu espírito

é comedido e bem disposto,

aceito o que tenho e sou feliz.

Mas quero sempre mais…

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022




domingo, 23 de janeiro de 2022

Levanta-te, ó Pátria minha! [369]

 


Sob as palavras de pedra,

num genocídio de ideias rombas,

chagas no verde e vermelho abertas,

morreu o tempo da verdade comprovada.

É a Idade das Nuvens, premeditada,

martelando no engano das sombras,

que distorce a luz e nos derrota

por maltratados ouvidos e olhos.

A vozearia falida, comungada

por todas as línguas confusas,

qual pedra estéril de gente sem estrela,

ilumina o pior e escurece a vontade.

Levanta-te, ó Pátria minha!

Mais alto que o choro de pedra

e que a nuvem teimosa em ficar,

há um céu de integridade à tua espera.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O poema [368]

 


O poema, quando é poema

 [como o dissecar da vida ou da morte

e de outros variados pretextos]

forja a reconstrução da realidade

para apurar a claridade das coisas.

O poema, quando é poema,

vê o amor, rutilante, a tecer hálitos de sol

nos ditames selvagens das palavras

ou na demora sombria das madrugadas.

O poema, quando é poema,

é um desafio, gritante, à bem-aventurança

que há no sair do abismo

ou à liberdade que existe

na firmeza de deixar o que não vem.

O poema, quando é poema,

nunca é um tiro de chumbo disperso,

a contento, inútil e comezinho,

é uma arma de bala real, de senso letal,

para atingir e marcar o pensamento.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022



domingo, 16 de janeiro de 2022

Quero a ternura que tens [367]

 


Quero a ternura que tens,

não a que mostras desperta,

já que não tenho, inteiro,

aquilo que não te digo.

Se te arrancar, furtivo,

o gesto do mistério

que essa ternura encerra,

serás eterna romeira

na insana procura perdida

daquilo que não mostraste.

Mas sei

que a recusa é tanto maior

quanto mais perto estiver

de a ter possuído oferecida.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022



quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O momento é de voar [366]

 


Excelsa,

és a luz que precipita o alvorecer

que em mim se entranha.

A borboleta

que voando em núpcias suspira

sobre a pétala viva e sente, alada,

sem ver dissemelhança nela própria,

o fogo sublime da postura.

Porque perdura na memória, em nós,

o prenúncio partilhado,

a nossa cabeça, que pensa e vê,

percebe, só por lhe vir à ideia,

o que já tinha pensado e, então,

vemos que o momento é de voar.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022



quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Sou como o cão de Pavlov [365]

 

Esquecido, a ausência

sobrepôs outra cor à minha pele.

Então, noto que os meus poros

pedem paz a toda a hora.

Respiro um voar que não me pesa,

sinto-me livre e parcial

de pairar dentro de mim.

Acho que a ferida está sarada…

Mas sou como o cão de Pavlov:

Se me lembro de ti,

o magnetismo retorna salivante.

Humildemente confesso,

para que saibas,

que tudo é inteiro e como dantes.

 

© Jaime Portela, Janeiro de 2022