quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Todos nós somos biodegradáveis [152]




À sombra
do imponderável guarda-chuva sem pano
do Criador desleixado,
moramos sem guarda-soleiro à vista
que nos ajude a resistir
a furacões, secas
e demais anomalias climáticas
por Ele
ou pelo seu braço armado enviados.
Impotente
face ao Homem
que do barro Ele nos impingiu
em duas tentativas
[eventualmente falhadas],
temo tão-só que o acaso me tenha concedido
o contento e o inverso por destino.
Da certeza do ser,
nada mais tenho que as incertezas da vida
que o Criador nos legou,
já que o sustento da paz
e do ambiente
só respeitando os outros
e a biodiversidade
porque Ele não terá como nos sustentar
[nem sequer é biodisponível
e todos nós somos biodegradáveis].

 


Jaime Portela

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O pretérito é o presépio da memória [151]




Quando ausente,
viajo na lembrança natalícia do que eu era.
Diferente me observo
e o pretérito é o presépio da memória.
À distância, poderia ter sido bem melhor,
mas quem eu era na verdade
é um ar que se vai desfigurando
na quimera do intangível.
Não é do agora
a nostalgia que me assalta,
nem do ontem percorrido a passos largos,
apenas a saudade de alguém
que mora aquém
dos olhos que não veem de tão perto.
Nada nem ninguém,
salvo o momento,
me sabe e lembra quem eu sou.
São estrelas polares distintas
o pouco a barlavento
do ano mau que acabou
e o muito a cada ano bom a sotavento
que o vento ainda não levou.

 


Jaime Portela

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Alma de organdi [150]

 


Vejo poemas nos seios
continuamente arrimados
e prudentes
no avesso recatado da tua blusa.
Não com a pele desgrenhada,
que apenas se despe
de um jeito que surge
do nada apressado,
mas com as mãos
atadas à loucura que grassa
nos poros reciprocamente atraídos.

Leio poemas nos lábios vermelhos
que sempre olhei hospedados
no brilho fácil do teu sorriso.
Não com a enganada razão,
que apenas se adorna
das formas sedutoras
que crescem da imaginação,
mas com os gestos desgovernados
dos sentidos que se procuram.

Vejo e leio poemas em ti
porque, com a mesma fala
e com o mesmo olhar,
na tua pele os teces
das cores mágicas com que bordas
a tua alma de organdi.

 


Jaime Portela

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Esta imensa e pouca Terra [149]




Esta imensa e pouca Terra,
que exaurimos
apressados como o comboio
que passa a engolir os carris
sem parar no apeadeiro para pensar,
está prestes a descarrilar.

Por fraudulentos limites,
ao lucro imediato não lhes dói,
nem os comove,
fazer tábua rasa das leis da Natureza,
onde nem tudo se transforma
como disse Lavoisier.

E o futuro que vemos,
ao olhar o presente
de prados já carcomidos, inseguro vive
pela virtuosa vista que mingua.      

 


Jaime Portela