quinta-feira, 24 de junho de 2021

Daqui a mil anos [337]

 

Daqui a mil anos,

o que pensaremos de nós?

Veremos mais o que vivemos

ou o fechar de olhos

aos amores que nos bateram à porta?

O tempo que transpirámos

a construir e a destroçar

ou o que perdemos a hesitar?

 

Daqui a mil anos,

ainda será visível o efeito

das nossas asas de borboleta?

Sentiremos vestígios

do impulso do nosso dente

na roda da engrenagem mandante?

Sentiremos, finalmente,

o que agora não sentimos?

Veremos a vida que não vivemos?

 

Daqui a mil anos,

do que falaremos nós?

Dos deuses que não existem

ou dos demónios que carregámos em vida?

Da beleza da alma

ou da intemperança do corpo?

De quem falaremos?

Dos bons e dos maus? Ou dos fracos?

 

Daqui a mil anos, vem ter comigo,

porque agora não te sei responder.

E hoje, apenas sei

que há uma verdade escondida

em cada coisa que vejo.



© Jaime Portela, Junho de 2021


quinta-feira, 17 de junho de 2021

A cada passo [336]

 


A cada passo,

o teu sorriso tinge-se de sol

e aconchega-se

entre o que pretendo ser e o que sou.

 

É a tua alma

que transborda e acrescenta o que me falta

quando penduras o tempo

nos teus beijos e me abraças.

 

É o teu ser

que me diz o que eu quero vir a ser

quando multiplicamos por dois

o teu e o meu querer.



© Jaime Portela, Junho de 2021


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Ontem, vi uma aranha [335]

 


Ontem, vi uma aranha

a ser impelida pelo vento.

Deduzi que se expunha a tal tormento

para espalhar os seus fios

até formar a estrutura principal

onde armaria uma teia.

A cada rajada, oscilava fortemente

e batia na parede com alguma violência,

sem indícios de dores ou ferimentos,

talvez porque a aranha seja mesmo coisa fofa.

Será que te chamo minha coisinha fofa porque,

quando empurrada, o lado forte da tua delicadeza

não se machuca facilmente nem dá mostras

de qualquer padecimento?

Apenas sei que não queremos romper

a mole e dura teia, mansa e duradoura,

que nos arde empertigada

em mil fios de seda entrelaçados em amor.



© Jaime Portela, Junho de 2021


quinta-feira, 3 de junho de 2021

A fruta para quem a cultiva [334]


 

Há pessoas

a quem não basta uma árvore.

Querem a floresta do poder,

deixando invisíveis os ramos e a folhagem

onde ninhos de ladrões se acomodam.

[Se alguém disser

“na tua rua há um ladrão”,

aqui d’el rei que não há mais ruas com ladrões.]

Outras há, ainda mais egoístas,

que não sabem que o pão, a saúde

e a habitação, são frutos imprescindíveis.

A floresta está pejada de ladrões

e há povos sem fruta

[os ladrões, com os bolsos cheios,

dizem que há escassez de frutos no pomar].

Mas espero que muitos ladrões

sejam pendurados nas árvores

quando a floresta se revolte

e deixe de os encobrir,

ficando a fruta para quem a cultiva.



© Jaime Portela, Junho de 2021