quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Quando me negas [346]

 


Quando me negas um dedo que seja,

é porque pensas que a mão

de imediato é reclamada.

Mas, se não me dás essa liberdade,

o desencanto rebenta insubmisso.

 

Talvez a interdição se torne

um incentivo generoso

no propósito da contradição.

Por isso, se o momento surgir,

vou testar o paradoxo

com a intemperança do perfume

que se desprende do teu corpo,

para aferir de quantos graus

se desvia aquela tese.

 

Assim, por muito que me custe,

vou cultivar o vigor do teu empenho

no horto dos meus silêncios

para tentar uma oração da tua boca.



Jaime Portela, Agosto de.2021


quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Viana é Amor [345]

 

Enquanto esperamos

o ressoar dos beijos nus de Verão

e que a procissão se faça ao mar

ao som de concertinas,

és pássaro de fogo em trinados de saudade,

onde a tua seiva, mordoma da minha,

se vai acrescentar às mãos da sombra acesa

na cachoeira da noite.

 

Do casulo da tua alma de seda,

universo lavrado nos teus seios

em filigrana de fios dourados pelos deuses,

vai renascer a borboleta

num traje de cores vivas pintada,

qual lavradeira na Senhora d’Agonia,

numa viagem onde só crescem flores

a ladear o caminho para a Serenata.

 

Vamos dançar nos tapetes da Ribeira

que nos prendem separados,

para devolver o brilho ao olhar embuçado

da tua alma furtiva,

porque desejo sorver o teu riso e deitar-me

à luz da liberdade das tuas palavras

na ponte estralejante do fogo da Romaria.



© Jaime Portela, Agosto de 2021



PS: o vídeo abaixo é uma obra de arte; vale a pena vê-lo do princípio ao fim.





quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Tranquila é a nossa ilha [344]

 


Tranquila é a nossa ilha,

onde, nas veias, os delitos em chamas

não sugerem sequer

os pecados veniais dos mistérios

que em rasgados relâmpagos nos povoam.

 

As palavras,

insufladas de bons ventos no cume da onda,

não se perdem no limiar da janela

por onde nos descobrem gaivotas,

encarando cegas a nossa partilha,

lenta de as vermos sempre diferentes.

 

Amamo-nos perante o espanto das marés

à nossa transparência,

que se veste destemida com a luz amotinada

na libido que nos invade pulsante.

 

Tranquila é a nossa ilha, mesmo

quando escapamos da roupa nas dunas

e rolamos impúdicos em brandas vagas,

cavadas de sal e areia.



© Jaime Portela, Agosto de 2021


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O Triângulo das Bermudas [343]

 


A saudade a navegar à bolina.

Orvalhada. Inesgotável.

O inevitável destino

pousa em mim com a leveza de um pássaro.

Abraço-o no desejo de tocar a tua pele

com a ponderação de um doido.

Bato à tua porta em noites de insónia.

Seminua, irresistível,

abres as comportas do teu peito.

O teu beijo, enche o mar [o meu]

que mais nenhum rio fará transbordar.

Há asas nos sonhos. São puras.

Frágeis. Irreais e verdadeiras.

Mistura que se dilui na distância do toque.

Quando se desfazem,

delas só fica o sabor da brisa no rosto.

Ainda assim, quero tatear

o crepitar da lareira dos sentidos

que tens nos olhos e naufragar no vórtice

do teu secreto Triângulo das Bermudas.



© Jaime Portela, Agosto de 2021