segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O Jornalismo e a Justiça [536]

 


Já não há como distinguir

a mentira da verdade,

todos os confrontos

são geometricamente confusos

e somos atingidos

com as mesmas sílabas tónicas.

 

E mesmo que as encruzilhadas

sejam lugares a evitar,

eles vão ficando polidos

pelo uso e o arrojo organizados

de manadas de elefantes

subjugados em contramão.

 

Mas ganha quem mais repetir

e dissecar no quarto poder

indícios mesmo desbotados,

levando a que os polícias

se exibam ao nascer do sol

num hino ao abuso de poder.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2023


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Tábua rasa [535]

 


Custa admiti-lo, mas nenhum

dos oito mil milhões de humanos sabe

a idade que o tempo tem.

E nem mesmo a inteligência artificial

com todas as equações disponíveis

a consegue obter.

E também não sabemos quanto irá durar o futuro.

Mas podemos simplificar

e dizer que são infinitos como os números

ou como o espaço à nossa volta.

Ou, como crentes,

dizer que o passado não teve princípio

e que o futuro não terá fim, tal como Deus,

que às vezes escreve direito por linhas tortas.

Mas, para complicar,

Einstein disse que o tempo e o espaço são curvos.

E, se fosse vivo, diria que o tempo da Justiça

também é curvo a fazer tábua rasa de direitos.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2023


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Cemitérios de crianças [534]

 


O peso do sono

em que vivemos há séculos

tem permitido que sejam derrubadas

muitas pontes.

Agora,

é difícil atravessar para a outra margem

e abrir acessos por entre ideias contrárias

sem levar um tiro.

 

E chegámos à babel

onde nenhum hábil violinista

é capaz de acompanhar uma orquestra,

porque todos os músicos

andam aos pontapés nas partituras

enquanto os maestros,

de batutas quebradas à solta,

procuram novos e velhos papéis.


Entretanto,

enquanto os extremos

se lavam dos mortos nas trevas dos deuses,

os cemitérios enchem-se de crianças.

 

 

© Jaime Portela, Novembro de 2023


segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Assumo poderes de mágico [533]

 


Assumo poderes de mágico

que liberta a pomba branca

indiferente à desmesura do frio

de cada novo trecho

de palavras desconexas.

 

Defendo-me de ti e de mim

na procura de frases de algodão,

onde me desteço em palavras

liquefeitas de sentido.

 

E não tenho defesas

para as facas de gume afiado

quando as tuas avinagradas palavras

se derramam nas minhas feridas abertas.

 

Vencidas pela surdez crónica,

as palavras acabam a gotejar

por nós abaixo

como se fossem peixes fora de água.

 

Serei eu um filantropo que se oferece

ao dissabor da esperança?

 

 


© Jaime Portela, Novembro de 2023