Terá sido
a vertigem do nosso inverno enganado
que fez com que os rios
tivessem saído das margens
e as gaivotas sem norte
se detivessem esfomeadas
na ilha dos amores.
Terá sido
o frio da ilusão primaveril
que matou as ramagens mais audazes
ou que os tempos em que fomos meninos
na perceção de verão
nos fez perder na colheita abandonada.
Terá sido
algo que tenha sido terra de outras sementes
ou que o vinho novo e quente
nos tenha enevoado a chama e a razão
para que não te tenhas doado desfalecida
de olhos fechados na entrega.
Não sei, ao certo,
o que terá sido,
mas sei que na próxima vida
serei Plutão a raptar-te como deusa Libera,
comerás um bago de romã
e voarás nos meus braços
numa vertigem de saudade.
© Jaime Portela, Dezembro de 2023