segunda-feira, 29 de julho de 2024

O amor depois do amor [571]

 


Na corpulenta lembrança

de um amor liquefeito,

evaporado e morto no olhar,

pode surgir um abalo cósmico

numa imagem maciça

de haustos de luz.

 

Hábeis para mostrar o fascínio

da irrecusabilidade da planície dourada,

as veias ébrias e púrpuras de vinho

acordam e dilatam-se.

 

Então, o sossego triste da apatia

é quebrado e colorido

com abraços de vento invisível,

que desencravam do olhar

o brilho até aí esquecido.

 

 

 

© Jaime Portela, Julho de 2024


segunda-feira, 22 de julho de 2024

A coerência [570]

 


A coerência

é apanágio das mentes banais

que percorrem em linha reta

os caminhos onde o vento não muda.

 

No desafio da lógica,

existe a beleza da dúvida

onde se espelha a liberdade da mente

nas curvas da inovação improvável.

 

A coerência,

prisão de almas defensivas

que temem o desconhecido,

anula a mudança

para navegar sem desvios

nas brandas águas da rotina.

 

É na incoerência que a criatividade brota

na aparente contradição

do firme pulsar do engenho

para desenhar novos mundos.

 

Abraça a diferença na dúvida metódica

sem medo do engano,

deixa a coerência para os receosos

e voa nas asas do princípio da incerteza,

é assim que se descobrem incógnitas.

 

 

 

© Jaime Portela, Julho de 2024


segunda-feira, 15 de julho de 2024

O fracasso [569]

 


O olhar, até então couraçado,

enfraquece no instante

em que a secura homocêntrica da boca

robustece o sentir irritante do fracasso.

 

O eco dos sonhos desfeitos,

numa dança lenta e vazia,

ressoa no amargo néctar da esperança

caída como folha de outono.

 

Mas há uma lição

disponível para enxotar o frio do malogro,

que nos espreita e clama

que o fracasso não é o fim,

é uma chance de aprender

que a vida é um constante recomeço.

 

 

© Jaime Portela, Julho de 2024


segunda-feira, 8 de julho de 2024

A vida tem apenas três partes [568]

 


A diferença

entre o mostrado na vida

que brota das mãos

e o fulgor da insinuação aparente,

suplanta o esperado.

No vagaroso bailado do corpo,

sobressai o impacto rubi

de uma boca sem pudor,

desavergonhada.

Ao som de um sedutor relax musical,

roda quase nua

no varão polido por mil corpos

que sobem, descem e se escondem

na noite de voyeurs masculinos.

A respiração da boca entreaberta

é húmida

e o movimento ondulatório

é lido como um convite lascivo,

irrecusável mas inventado.

E os papalvos não percebem

que a vida tem apenas três partes:

a que se mostra,

a que se esconde

e a que se inventa.

 

 

© Jaime Portela, Julho de 2024


segunda-feira, 1 de julho de 2024

Da depressão [567]

 


Se tens uma voz

que entoa um lamento

no verdadeiro instante

da tua respiração prolongada,

a tua mente é indomável,

é um cometa desgravitado

a cair na sua sombra.

 

Se tens inquietação

na epiderme dos sentidos,

e a tua voz se torna frágil

na força quebradiça da vontade,

vais escorregar

no pranto circunscrito

de um aterro de emoções

negro e conspurcado.

 

Mas há remédio,

começa por assumir o teu estado,

que não passa

de uma perturbação elétrica

que ensarilha

a comunicação entre os neurónios.

 

 

 

© Jaime Portela, Julho de 2024