segunda-feira, 28 de outubro de 2024

As forjas de Wall Street [584]

 


O tempo capitaliza as cifras

que dançam em labirintos de vidro e aço

ao som de uma música suave

que sai das forjas a fabricar canhões

para uma guerra bem longe.

 

O pulsar frenético do mercado,

em cliques metálicos,

vai trocando sonhos por números,

em transações de esperança

nas telas que piscam à velocidade dos mísseis.

 

Mas há quem sucumba à ganância,

vendo a sua ambição escorregar

para as mãos de vigilantes

que manipulam o vento

de ratings sombrios a instigar a queda.

 

Nas sombras, a pobreza persiste,

perpetuada pela indiferença egoísta

das forjas de ilusões nas mãos do poder,

que querem ver a sua riqueza, já desmedida,

sem nunca parar de crescer.

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Toupeiras voadoras [583]

 


No ventre escuro da terra oficial,

tão fundo, tão silencioso,

as toupeiras cavam os seus rumos

num mundo secreto e misterioso.

 

Sem o brilho das estrelas jornalísticas

nem o calor do sol auricular, elas conversam,

em sigilo, onde a vida não gira,

é a mentira no escuro das palavras ocultas.

 

Com as suas garras miúdas,

desenham no subsolo os projetos da vitória,

rasgando o terreno em linhas curvas

como se descobrissem o céu.

 

E sonham, quem sabe,

com um paraíso onde o vento corre livre

e sempre de feição,

deixando o inimigo numa ilha deserta sem luz.

 

Mas, se pudessem lançar-se

no voo que ambicionam e desconhecem,

os ratos-cegos do poder

talvez se perdessem nos céus.

 

Mas o voo das toupeiras

nunca será como o dos pássaros,

é um mergulho para dentro,

e armadilhar é o inverso de sonhar.

 

Entre raízes egocêntricas e pedras falaciosas,

desenham o seu destino

no silêncio profundo da maquinação,

onde o mundo não é divino.

 

E assim vivem as toupeiras voadoras,

numa dança privada e negada sem fim,

não no céu aberto e livre das aves,

mas no voo das catacumbas, porque sim.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A política nas redes sociais [582]

 


É no ruído primário

sobre ideias fanáticas

que mascaram

o apocalipse da esperança

que o desespero investe.

 

E a reprodução giratória

faz crescer pela ressonância

o ímpeto e a vulgaridade

das palavras perversas

e insultuosas

dirigidas aos rivais.

 

E nem doutorados com borla

se esquivam à mixórdia,

onde ser fogo e ser queimado

se confundem.

 

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Manteiga nos versos [581]

 


Quando o motim interior

se plasma num mínimo poema que seja,

a pauta normalizada é distorcida

pela torrente encorpada

a deslizar por entre fragas mandantes.

 

O cortejo de palavras dispensáveis

naufraga ou desmantela-se

contra as pedras do caminho

e jazem agoniadas por ação da borracha,

que as elimina e empurra

para a periferia do papel.

 

E ficam, quando há talento,

apenas as palavras precisas

para que o motim se revele

sem distorções nem empecilhos,

ainda que leituras possam reclamar

mais manteiga nos versos.

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024