Concentrado,
com a agitação e o sossego de um ladrão,
mas também com a subtileza da raposa,
gosto de atravessar
a sensibilidade das portas da imaginação,
onde há peças, furtadas à realidade,
que se compõem como puzzles dançantes.
Sempre diferentes e sempre iguais
[tal como nós,
genomas distintos dos mesmos genes],
eles são o produto de uma arca criadora,
tão absurda quanto lógica,
onde há ventos sensuais,
velas de panos latinos,
corredores labirínticos
e até janelas para outros mundos.
Ligo as luzes de navegação
e os frescos dos cenários
têm asas nos papéis de cada peça,
pintam-se das cores mais ousadas,
trocam de posição,
encaixam-se,
misturam-se e,
em cada segundo,
há vários episódios que começam e acabam,
numa festa contínua de emoções.
Mas os puzzles amotinam-se
e perco o domínio de ladrão e de raposa.
Sou já eu uma das peças do caos da imaginação
[sem saída, com a porta agora fechada]
e tudo acaba e começa
quando o puzzle se faz de duas peças apenas:
eu e tu, enzimas recíprocas.
© Jaime
Portela, Novembro de 2022