Camões,
foste arauto dos mares e de glórias imortais,
em versos onde coloriste os heróis
que pela força da ambição de audazes
interessados
se fizeram destemidos,
cantaste a todos os deuses
para que nenhum te tolhesse a divina inspiração
e mostraste novos mundos ao mundo.
Mas, à sombra dos lusitanos feitos,
há histórias caladas que ressoam nos versos
ocultos
de ingloriosos saques de indígenas riquezas
e vidas que sob a bandeira de cruz e espada
era preciso ceifar
para que a fé cristã fosse por toda a parte
espalhada.
Na busca insaciável de ouro bem velado,
libertando da culpa a cobiça os senhores da
corte,
as caravelas fomentaram o luto, o ardil
e o tráfico de escravos, enquanto cantavas a
gesta
a mando dos que lucravam com um império
erguido em pilares manchados de sangue.
Na trama dos teus nobres versos,
guardas os dolorosos fios,
as lágrimas caladas e as silenciadas vozes,
numa epopeia que deveria ser de contrastes,
onde o brilho das conquistas ofuscou o
encoberto,
porque a verdade não engrandece.
Mentiste, por omissão, mas estás perdoado,
não tinhas outras velas ou outros mares
que te impedissem
de cair nas malhas da Inquisição do Santo
Ofício
ou nos cordames da forca
dos que te pagavam a tença
nesta pobre e leda praia lusitana.
© Jaime Portela, Junho de 2024
NOTA:
Este poema
tem por base a minha modesta convicção de que Camões omitiu do poema de 8.816 versos o
lado mau das descobertas portuguesas, nomeadamente os saques, as mortes e
outras atrocidades, para não cair nas malhas da censura feita pelo Santo Ofício
que, mesmo assim, alterou alguns versos dos Lusíadas.
Para quem não conhece os Lusíadas e não leu o post anterior, é aconselhável lê-lo, nomeadamente o texto final.