quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O verde e moço desatino dos lunáticos [050]



Vivemos por entre furacões
a desgrenharmos o cabelo nas tormentas.
Ficamos bêbados de licores proibidos
e inchados de venenos boquiabertos nos dentes.
Usemos a varinha de condão e,
com artes de magia afortunada,
suspendamos os prantos da boca
e o rezar miserável por chuva no deserto.
Deixemos que a força abatida
seja a mola dos sonhos,
pois há fios coloridos nas nossas mãos a brilhar.
Sonhar é bom, porque nos incendeia
com o verde e moço desatino dos lunáticos.



quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

És a minha perdição [049]


Nos teus passos ondulantes,
tens o andar,
o rumo, a graça
e o aprumo da cotovia cantora
nas manhãs de Primavera.
Nos teus gestos largos de juíza
[não é disso a tendinite
do braço cego da lei],
tens a robustez do chão
e a brandura das searas,
que me agarram
e afagam
à distância de um perfume.
Na tua voz de menina,
tens passarinhos cantores
no verbo que enfeitiça,
que sopra
e desembruma a espessura
das minhas noites de Inverno.
No sorriso e no olhar,
tens orvalheiras de luz
e de auroras prenhes de lua,
que te envolvem,
pura e vera,
na tua pele nívea
salpicada de inocência.
És ópera romântica de Wagner,
libreto e valquíria
da minha guerra por ti.
És horizonte,
cascata,
tela intensa e anjo bom.
És liberdade,
cadeia, és a minha perdição.
 

 
 
 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Estando certo que poderia voar [048]


Estando certo que poderia voar
nas asas que me impelem os dedos
a afagar as mágoas da tua alma nua de esperas
[a cerzir teias de pranto nas dores encobertas
pelos teus cabelos ruivos de sol,
a contagiar o teu corpo branco sem mácula,
exausto de tanto caminhar no reverso do trevo],
acordei para ti.
 
Quero que o teu sorriso desperte
nas palavras que eu escrevo
pelas avenidas do sonho em que persisto
à procura de atalhos que me conduzam a ti,
à procura de passos que destruam lembranças
que ouves agonizar flagelada,
à procura de ti a sorrir.
 
Mesmo vendo que tateias a saída do teu labirinto
[evitando as pedras do caminho] e sabendo
que só brotarão flores das nossas sementes
em terra fértil caídas, mesmo assim, para que voemos
na fome de asas e sonhos do retorno à felicidade,
acordei para ti.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Musa [047]


 Aparta-se o vazio da palavra
nos pincéis do meu olhar
quando passeiam na tua amena beleza,
quando sentem vibrar
o desejo de asilar o teu sorriso,
a perder-se, desabitado, no meio-termo
de um mar sem ondas nem marés.
 
A minha pena, a florir de afeto e anseio,
sorri para o teu rosto e descobre
[sem medo que mates a vontade
de sorrir no grito e na surdina do verso]
a guerreira dos seus sonhos
nas horas que o relógio não abraçou ainda.
 
Desta aventura, serão as minhas mãos
[advogadas por ti,
menina enfeitada de rosas e vestes douradas]
a guiar-te, a defender-te sem desatinos
na rua de labirintos tristes e descrentes.
 
Serei imperador e guerreiro,
anjo-da-guarda e poeta abnegado,
servidor e senhor da musa que te habita
sem reticências no amor declamado.
 
Serei teu,
na exata medida em que te quero.
Serás minha,
na formosura da musa que eu espero.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Tango [046]


No teu olhar de violino sentido,
marcas o tempo
em curtas vagas de silêncios
e largos passos de mágoas.
De corpo agitado,
domado por um piano afoito,
respiramos na matriz do bandoneon
ao ritmo do amor livre cativo,
amor carrasco e escravo
que nos mata a cada passo
numa dança de paixão arrebatada.
Visito o teu sorriso sofrido
que me abraça e repele,
enroscado na ternura em rodopio.
Viajas no teu génio abrangente de viola,
de olhar abandonado no cais,
onde fundeio o instinto, matador,
num morrer por ti já despido.
Mergulhamos, neste bailado insano,
até ao fundo dos mares,
dançamos um tango assassino
até sufocar os sentidos,
até que estas chamas nos matem
em tempestades de vida.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Desfolhada [045]


A espiga que te dei, vermelha,
não foi trazida de casa, foi encontrada, por acaso,
no caos da palha do milho,
em braçados de cantares de verde tinto,
enquanto sacudias as barbas
das espigas dos teus olhos de sonhos desfolhados.
 
Submersos,
na dança de um vira picado no folhelho,
encontrámos o caminho e saímos da realidade
que nos matava o canto ao desafio
de concertinas desfeitas
nas borras das malgas do vinho emborcado.
 
O beijo que te dei, meu amor,
foi o mesmo que me deste, soube ao mesmo milho-rei.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Poema à Poetisa [044]



Por fora,
no caos da criança-mulher e nos largos sorrisos
de poemas coloridos dos teus lábios,
és pouco menina.
 
Na dança de ventre da babel do teu sonho,
és já a mulher
que a vontade acode ao gerar
a seiva que coze e te transborda por dentro.
 
Anjo robusto,
entre a fragilidade do paraíso e a filial do inferno,          
de olhar bicudo por fora,
meia Florbela Espanca
e meia Maria Teresa Horta por dentro,
enroupas-te na mulher e meia de poeta agitada.
 
Um dia,
quando a ternura
te rebentar por dentro da pele irreverente,
vais colocar ainda mais sal e chocolate
no corpo das palavras e eternizar-te por fora de vez.
 
Talvez continues
a recusar baladas de fim de semana,
conversas não bailadas, sensualidade forçada
e “eu te amos” comprados de pessoas medíocres.
 
Contudo, se não vives por fora, morres por dentro.
Mas serás sempre formosa,
a escrever sem um lamento.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

As palavras que eu te disse [043]



As palavras que eu te disse,
solistas no contraponto
de ventos insuflados de ternura,
são arbustos que cresceram no teu peito,
convertendo-se no denso arvoredo
do bosque dos nossos silêncios.
A ausência das tuas palavras,
num corpo boleado
de crenças em lenta combustão, há de ser
o espigar da embriaguez indecisa do teu ventre,
onde o sol reinventará
a tua alma de amante em lençóis de estrelas
enamoradas pela tua pele celeste.
Continuo a ver-te árvore,
mas corro o risco de te confundir com a floresta
que nos rodeia em chamas,
que te incendeia, que me queima,
devagar, neste Verão que tarda em acabar.
 
 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

No compasso do teu corpo [042]



No compasso do teu corpo, afogas-me de mel
quando percorro os teus lábios
e arrastas-me até ao luar, que nos molha
em beijos com bocas de fome há muito plantadas.
 
Abandonas-te no que me perde e sou colo da tua
flor orvalhada de pássaro mulher, que ocupo
como o vento a afagar a delicada seara até que
as sementes fiquem maduras nos motins do teu olhar.
 
Morres no que me nasce e te invade no calor
desnudando os teus segredos,
entregues à descoberta sempre nova a cada chama,
a cada gesto de alma e coração desmesurados.
                                                                    
Libertamos os humores do nosso sangue,
detonados em clamores de fogo universal,
e adormecemos o sonho das nossas bocas
em conchinha de batel, de beijos de mel saciadas.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Sem pés de barro [041]



O barro de que és feita,
foi-se colando à minha pele.
Galgados os poros,
acariciou-me as quinas dos sentidos já dormentes.
O meu barro, por sua vez,
foi aderindo aos teus segredos
e aguou as tuas mágoas
para te moldares à mulher quase sem medo
dos medos de antigos sóis.
Modelámo-nos na roda de sol
do Verão da nossa fantasia de oleiros
e passámos a ser um querer
barrado pelo desejo
e pelo sabor agridoce da partilha de suores,
onde navegámos
em nuvens de algodão e barquinhos de papel.
Mas,
porque temos a força de dois oleiros em delírio,
vamos moldar de novo o nosso barro,
a quatro mãos,
nos corpos ardentes das nossas noites de Outono,
cozendo-o no altar, sem pés de barro,
da Primavera da vida.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Beijar-te [040]



Beijar-te,
será desvendar o gozo puro nos teus olhos
em berço largo fremente de candura.
 
Será entrar
no anel de fogo que inunda a tua carne
embriagada pela entrega com loucura.
 
Será reconhecer
aves intactas que voam
inocentes no sorriso delicado do teu rosto.
 
Será incendiar-te,
afogar-te o peito
levantado pelas chamas dos meus braços.
 
Será rasgar a minha fronte
para que a tua
se alague da nudez divinal que te habita.
 
Será sussurrar-te
palavras com rastilhos até que atices a pólvora
na desordem do meu grito sobre o teu.
Beijar-te,
será coabitar-te
até que eu morra a cada espasmo que te mate.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Brando povo [039]



Raro,
é atirarmos pedras ao lago adormecido,
onde navegamos à bolina
de ventos nem sempre verdadeiros.
Frequente,
é ninguém gostar [nem nós]
das ondas que felizes provocamos
na loucura mansa do sentir.
Dos naufrágios,
na espuma fátua dessas ondas reprimidas,
nem sequer somos capazes de salvar
a vertigem do sonho, a desmanchar-se.
Acorda brando povo,
porque, de brandos costumes,
mesmo num jardim à beira-mar plantado,
está o inferno mais que cheio.