Aqui,
deitado ao relento a olhar as estrelas,
se alguém me visse
pensaria que tento perceber a minha alma
vasculhando os confins do universo.
Ou que, de olhos focados nas Três-Marias
ao som cósmico dos cães,
que ladram ao longe,
estaria prestes a descobrir o propósito da
vida.
Mas não, nestes abandonos prostrados
gosto de me alimentar do vazio,
sem pensar em nada,
enquanto me esqueço
das labaredas da escuridão,
das entranhas dos nervos,
das ossadas carcomidas,
das flores mortas,
de tudo o que há podre na diarreia da vida.
Sou feliz, portanto, pois tenho traves
a bloquear os neurónios em descanso
e o coração anda à solta,
talvez a bombear
algum romântico e lírico furor
enquanto a cabeça está distraída
e não pensa em nada.
Assaltou-me, no entanto,
a ideia de que nada principiou
antes do verde onde me deito e que,
vergada sob o jugo da espera, a vida
deve ter saltitado de planeta em planeta,
durante uma eternidade,
até se refastelar no sangue
que o meu coração manda para os neurónios.
E acabou o meu sossego. Saltitando
de ideia em ideia, já de traves partidas,
deixei de ouvir os cães,
de ver as estrelas, de me alimentar do vazio,
e cheguei à certeza
de que o verde não existia antes de te ver
e de que foi nesse preciso momento
que nasceu o nosso propósito da vida.
© Jaime
Portela, Fevereiro de 2023