Pensando alto,
só agora concluí que não
sou original,
pois não surgi do nada,
não apareci, por artes
mágicas,
do vazio ou do éter,
e nem sequer o pecado do
começo foi inédito.
Existo por opção alheia e
ilusória,
não fui ouvido nem achado
e,
muito menos,
criado a partir de um meu
desejo.
Sou apenas o produto da
ínfima probabilidade
de um projeto de vida
aleatório.
Ainda assim,
repiso vivências
sentidas,
digo ideias antes ditas
com palavras repetidas,
porventura mal pensadas,
e quero de um modo já
velho
como Adão queria Eva.
A minha memória genética
encerra lendas vivas,
reminiscências mais ou
menos sonolentas
e outras quase mortas,
nos neurónios que andam
distraídos
com lengalengas
futuristas.
No parágrafo da minha
existência,
pareço um amontoado
de palavras despejadas de
uma página,
e serei,
na melhor das hipóteses,
um dador de histórias
futuras
após o desenlace da
última linha.
Mas não quero ir já
embora.
Se não posso falar, eu
penso, eu escrevo
[o meu abrigo é o agora],
para que o meu legado
conste
nos projetos de vida
aleatórios seguintes,
até que as lendas morram
e não marquem os pecados dos
seus genes.