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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Nas minhas mãos [351]

 

Nas minhas mãos,

por entre os néctares das chamas

acesas na memória,

as saudades da rosa do teu sacrário.

 

Se estivesses comigo agora,

as palavras teriam as nossas raízes

e eu mostrava-te, nos dedos,

as feridas das nossas incertezas.

 

Mas só me chega a tua voz,

de silêncio, que preencho

com água inquinada pela saudade,

oásis onde os apátridas matam a sede.

 

Jaime Portela, Setembro de 2021



quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Vem [350]

 

Na ausência, moves-te inquieta

como se não andasses feliz

e como se eu, apesar do risco da irrelevância,

nunca tivesse portas de amor floridas

a preencher o nosso afastamento.

Vem, existe a cor

a palpitar no vazio que te precede

e os teus olhos são um espaço remoto,

onde a manhã reconstrói

o seu hálito de claridade.

Sei que virás dos lábios da alvorada

ou da nascente de ti, para acordar

a chama que nunca se apagou

e acariciar a sede do tempo que morreu.

Virás, porque o temor de te perder

é uma tenaz  que aperta as minhas têmporas

e se estilhaça, depois,

num horizonte sombrio por onde te moves,

inquieta, como se não andasses feliz.


Jaime Portela, Setembro de.2021



quinta-feira, 16 de setembro de 2021

A um Deus claro ou incerto [349]

 

Há ideias que crescem em nós, como preces,

destinadas a um Deus claro ou incerto.

Enquanto, mecânicos, damos voltas ao rosário,

chegamos a acreditar, por definição,

que Ele nos ensina a respirar o norte.

 

Numa paciente espera da Ordem,

onde queremos que a beleza do luar se confronte

com a vida que há no sol,

perdemo-nos, por vezes, de ventre rasgado

num horizonte despido de luz.

 

Quando os meus gritos

não forem audíveis de tão submersos,

sei que posso cair na tentação de Lhe dirigir

palavras tão vivas de fé como mortas de pânico.

Só não sei se quero a surdez e a cegueira

para não perceber os manguitos nas respostas.

 

 

Jaime Portela, Setembro de.2021


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Não sei de onde me saem as palavras [348]

 

Não sei de onde me saem as palavras

quando o que penso

é maior que toda a chuva de mil cheias.

E, de tantas ideias que me assaltam,

o nada é a coisa em que mais penso.

 

Talvez seja por isso

que passo pela verdade sem a ver

quando a procuro, pequenina,

no meio da abundância de mentiras.

 

Mas que razão terá havido

para ver no teu olhar, num segundo,

o perfume que faltava à minha pele?

 

 

Jaime Portela, Setembro de.2021



quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Não vejo alicerces [347]

 

Não vejo alicerces que restem ilesos

a quem sente a razão esboroar-se

como um vidro estilhaçado

perante uma lezíria molhada como a tua

quando os teus braços se abrem

e de mim se fazem prisioneiros.

 

O fogo, que em mim arde

dos teus seios, levantados no desejo

que a minha boca os devore,

é o mesmo fogo

no sentir que me vem do teu anseio,

pássaro nosso, irrequieto,

num formigar germinado de permeio.

 

És um mar que alimenta as labaredas

que te escaldam de vontades o olhar,

afoitas brisas que por mim

se alastram quentes, em ventania,

dilatando o meu desejo até às nuvens

de, nas tuas brandas ondas, sensuais,

soltar e enfunar a vela da minha nau.

 

Jaime Portela, Setembro de.2021