Translater

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Cem mãos de irrequieta centopeia [265]



Deambulei pelo cerne de caminhos
construídos à chuva de palavras
levando nos bolsos
promessas líquidas de carícias
derramadas pelas viagens do teu olhar.
Caminhei por avenidas carregadas
com o desejo traçado
por cem mãos de irrequieta centopeia,
a desaguar aturdidas no teu corpo
ao som de rugas enervadas de prazer.
Percorri-te na lenta vertigem do toque
desenhado na inquieta pele da espera,
incapaz de resistir à sede que inundava
as avenidas de um só destino, o nosso.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Há quem pense [264]



Há quem pense meter ao bolso a lua
e acabar com os cinzentos.
Tudo seria
preto ou branco e a vida seria construída
apenas com suor e betão.
Como o politicamente correto
tem maior aceitação,
passamos o tempo a tentar moldar as máscaras
às circunstâncias,
ainda que falhemos sem espanto.
Prevalece o humano,
e o primeiro impulso
defende a beleza que há na cor
ao amparar um torturado coração.
Porque os que assim agem,
são a maioria e percebem
que é mais dura a maré que o mexilhão.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Há um fado [263]




Há um fado
que nos empurra e segura,
um fado luso
a adubar a estagnação
da nossa marca
de pátria mal-amada.

É uma raiva
de branda insurreição
que nos empolga
sem nos soltar,
que vai do Minho aos Açores,
de terra em terra,
mas não há meio de chegar.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Com este céu [262]




Com este céu,
após tantas estrelas entretanto caladas,
a tua sombra dói e, com a inércia,
não há uma erva que cresça.
Que força
a um estado indolente me obriga
se o teu rosto me atrai e se,
nos meus ombros,
cavalgam lampejos de saudade?
Apenas vejo um ser que se verga
às mãos de um exorcismo de trevas
e de uma venda justiceira que cega,
um ser entre o vazio e o ficar
onde começa a ausência de futuro.
Serei um pássaro sem pio,
acomodado nos ramos,
que teme a saída do ninho?