Ouço um piano,
pianíssimo,
tão baixo que apenas ouço
a respiração das sílabas tónicas.
Alguma serenata
à vizinha do 1º esquerdo,
penso eu, pois a noite
já cresce no dia subtraído.
Mas o piano enfurece-se
e até as sílabas átonas aborrecem,
ressoando agitadas e sem nexo
nas galerias, nos muros
e nos átrios do meu cérebro.
E eis que sou uma nau a balançar
no meio de procela adamastórica
a passar no Cabo da Boa Esperança,
de tormentas e naufrágios atulhado.
E quando o mar já entra pela amura,
acordo.
Mudam-me a fralda. Ao lado,
um palerma a jogar no telemóvel.
© Jaime
Portela, Junho de 2023