Despiste as vestes do passado
para trajar o futuro da vontade fugaz.
Ficaste assexuada
no vazio de emoções quando a paixão
já não te rasgava as entranhas.
Sangraste, exauriste até à gota derradeira
a tua seiva aturdida
na transfusão ininterrupta de caminhos
cada vez mais destroçados.
Emudeceste, ensurdeceste,
para que os nossos tímpanos
continuassem virgens ao engenho das palavras.
Trocaste a tua pele de tatuagens genuínas
pela aparência maquilhada
de uma boneca de pilhas.
Abandonaste braços, mãos, pernas e olhos
para que eu não algemasse a tua fuga para a cegueira.
Amputaste neurónios, pensamentos e verdades
no desassossego de madrugadas vazias de sentido.
Atiraste para a lixeira
o que restava do teu corpo enlouquecido,
sem perceberes que a sua reciclagem era impossível.
Suicidaste-te para que nada mais te pedisse.
Enterrei-te, bem fundo,
a cadeado no meu paiol da indiferença,
para que o meu cão não te desenterrasse
e morresse envenenado
ao trazer-te de novo para mim.
Enterrei-me
à mesma profundidade que tu, a teu lado,
morri envenenado ao enganar o meu cão
quando voltaste para mim.