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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Pertenço à multidão


Pertenço à multidão,
que sei minoritária,
de pássaros indiferentes aos ramos
cada vez mais desusados,
já sem a esperança de frutos.

Espero, sereno, a migração sem retorno,
não com a pressa da vida
mas no passo ronceiro da lesma,
a menos que venha a ser
subitamente empurrado.

Enquanto aguardo,
prefiro o pousio de ave saciada
e pensar-me perpétuo,
que o perene germina
se na demora do sabor o semeiam.

Optei por ser um pássaro melódico
a salvo do alvoroço do tempo,
na esperança que isso seja a predição
de uma alvorada permanente até ao fim.
Quero ser vagarosamente eu.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Quanto vento


Quanto vento
pusemos nas velas solares
desse espaço sem fim,
que nos incitava
a inflamar o denso brilho da escolha,
onde nos abraçávamos em nuvens azuis
na origem de onde tudo proviria.

Quantas mãos
pousámos nesse tempo,
sempre célere a enrugar páginas
nos livros da pele
a cada ano sempre moço,
para ficarmos abraçados como estátuas
a escaldar-nos com a carne de uma esfinge.

Quanto tempo
a dissolver o insolúvel,
para agora sobrevivermos nulos
e a bebermos de um copo
que nem sequer está meio cheio de água.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Uma boca cosida


Uma boca cosida com linhas
de segredo, manto de mistério
bordado a sedução, burka
vermelha a dilatar desassossegos
e paixões.
Os teus olhos castanhos, sinto-os
de todas as cores, opacos,
transparentes na fantasia do que vejo.
À tua janela, a poesia não sai
dos beijos que não me deste.
Sem rumo, aborreço-me
a condensar as lágrimas de um Carnaval
ausente do teu rosto que não vejo,
mas sei.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Somos enfermeiros das nossas fronteiras


Ensombrados pelos archotes
no útero de uma chuva de insensibilidade
(imensa, seja grossa ou miudinha)
prenhe de guelras falaciosas e fados,
somos carcereiros do paiol
e praças-fortes de éticas que esvoaçam
e em mil sóis apenas nos deslumbram.
Guardiães das ameias vazias,
empunhando bisturis estranhos ao tempo
onde nos sitiamos,
somos donos e videntes,
somos enfermeiros das nossas fronteiras,
alamedas de encantos
laureadas por suspiros de valores penhorados.
Apesar da madraça labuta,
temos o cinzeiro da noite,
onde, zelosos, nos lavamos do lodo
e da greve de cinza do dia,
onde afugentamos o cigarro
da vergonha esquecida entre os dedos
e onde o nosso feito desfeito é defecado.