Sei que os jardins inventam as suas flores,
pois são diferentes de todas as outras.
E nós inventamos outras flores,
que nos desculpam e acusam,
onde vamos deitando
adubos de vida e de morte
para serem sugadas pelas raízes da imagem
que os outros implantam
nas suas retinas que pensam perfeitas.
Indagando o rodopio louco da vida,
vejo que há muitas flores não inventadas,
várias rosas sem pétalas,
diversos lírios caídos sem caule
e até múltiplas raízes sem chão.
Há vazios inventados,
em tudo iguais aos dos outros,
onde as ideias
se definham eternamente menstruadas.
Mas ainda há tempo para recusar o vazio,
porque há sempre tempo
de inventar um jardim de flores perenes,
mesmo que sejam de musgo,
e encher retinas
para além da própria vida.
Ainda há tempo de semear flores audíveis
e de aplacar a crueldade
da carência da ternura.
© Jaime
Portela, Março de 2023