Translater

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Não tenho palavras [532]

 


Não tenho palavras

para tingir de esperança a tua falta.

Apenas a solidão

a desbotar eternamente a minha alma,

castigada pela imagem

que tem de ti persistente.

 

Porque talvez esteja longe,

ou escondido,

não encontro o sítio

onde as manhãs restauram

a expectativa do teu regresso.

 

Mas eu sei,

para se conseguir o que se quer

ajuda muito

não saber que é impossível.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2023


segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Ver ou não ver, eis a questão [531]

 


Os petulantes,

os cínicos e os egocêntricos

não veem mal nem bem.

Os ingénuos,

os pobres de espírito e os santos

não distinguem os bons dos maus.

Os primeiros

não precisam de óculos mas,

apesar disso, não veem bem.

Os segundos,

mesmo com lentes,

não reconhecem os maus e,

por isso,

misturam-nos com os bons.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2023


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Do Paraíso ao Inferno [530]

 


Tudo que existe

serve para alguma coisa.

Das pedras,

podemos construir muros e casas.

As árvores dão-nos frutos,

sombra

e oxigénio para respirarmos.

Os peixes

são alimento de outros peixes

e de nós próprios.

Mas nós, humanos,

não servimos para nada

e servimo-nos de tudo o que existe.

Do que nos queixamos,

afinal,

se poderíamos viver no Éden?

Queixamo-nos uns dos outros,

matamo-nos,

continuamos a ser Caim e Abel

e fomos do Paraíso ao Inferno,

onde, aos tiros cada vez mais letais,

sobrevivemos e morremos.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2023


segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Gostava [529]

 


Gostava que me fitasses nos olhos

e me falasses sem papas na língua.

Que não vacilasses

e me dissesses se és o temor

ou a voz a perder-se de timidez.

Inquietas-me mas, na verdade,

não me fechas a porta.

Foi a moral que te implantou,

mas és o conchavo

e o egocentrismo alheio

enraizado no meu egoísmo

resumido a meia dúzia de princípios

para o bem-estar dos outros.

Sou uma vítima fácil

para os predadores que não incomodas

e anulas-me parte da vida

sem conseguir desfazer-me de ti.

Mas, sem ti,

a vida seria o contrário da escultura:

nascendo com uma configuração

carregada de poesia,

iríamos esculpindo a existência

até conseguirmos obter

um cruel penedo selvagem.

Minha querida consciência,

cuida de mim que eu cuido de ti.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2023


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Inventam o sorriso [528]

 


Inventam o sorriso,

a hipocrisia

e a mentira

e acabam por fingir toda a vida.

Porque este e outros engenhos

acabam por ganhar cama,

a ponto de confundirem o seu ser

com o ser fabricado

que criaram poro a poro.

Este espectro

pode ter mais vida que o ser verdadeiro

e trocar de lugar.

Não são quem dizem

e chegam a mentir tanto a si próprios

como aos outros.

Malditos mentirosos.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2023