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quinta-feira, 25 de abril de 2019

A sagração das primaveras [221]



Apenas te vejo de fora
mas sempre iluminada por dentro,
um rio quente de sons que não dormem
e de onde a melodia corre
para que eu pare de encanto.
Imagino, então,
que és um violino,
um soprano de timbre aveludado
e eu o arco,
disposto a fazer das minhas mãos
crinas de cavalo a percorre-te de Sol a Sol,
acariciando as tuas colcheias sem pausa.
Dançaremos esse poema
até que o inverno nos deixe sem luz.
Dançaremos na poesia
até que os sons se apaguem
nas cordas desgastadas pela vida.
Até lá, tentaremos viver
nas inflexões do canto florido e prolongar,
o mais possível,
a sagração das primaveras.


© Jaime Portela, Abril de 2019


quinta-feira, 18 de abril de 2019

Viva a Páscoa [220]



E, chegados à Páscoa,
embriagamo-nos
fartamente abençoados com doces.
Não se vêm hambúrgueres
nem batatas fritas,
abolimos por um dia
todo e qualquer fast-food da nossa tentação.
Há muito esquecidos do roxo,
dos 40 dias do dilúvio
e da provação do deserto,
somos o acre amelaçado
e o gelado quente da quadra.
Também somos, dentro e fora da Páscoa,
o pão-de-ló da Europa
e os ovos-moles das crises.
Não há jejuns, não há abstinências,
só para os pobres,
que são bem-aventurados
e a isso estão obrigados.
Católicos, ateus e outros,
fazem de conta que celebram
o que já não é celebrado,
até porque na semana santa
já nem há música sacra na rádio.
A Páscoa morreu.
Viva a Páscoa.


© Jaime Portela, Abril de 2019


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Quando a primavera chegou [219]



Quando a primavera chegou,
vimos a alegria de pássaros
nas flores que semeámos
para que nos brotassem dos olhos.

Repetimos este gesto de fome
onde as rosas passaram a respirar
dentro de ti como eu,
até que tudo se transforme num eco.

Então, soubemos que o outono
seria deslumbrante
e com toda a sorte de cores,
murando o frio e a tristeza ao inverno.

E, assim, será mais simples de vermos
o tempo maduro a crescer
depois da cíclica e fecunda ocasião
das flores e dos pássaros.


© Jaime Portela, Abril de 2019


quinta-feira, 4 de abril de 2019

Nada mais falta que um verão [218]




Nada mais falta que um verão
para que te cubras de calor
à medida que te despes,
para que melhor te adivinhe
e te veja à medida que te cobres.
Tu percebes que me prendes
e fascinas ainda mais
[se é grande esse recato
maior é a minha tentação]
porque há um deus a avivar a tua luz.
Sonha, estou inconsciente
à sombra do teu corpo
a ver o mundo em ti a renascer.
Mas, quando acordares,
estarei certo e consciente
da raiz do teu sonho a renovar-se.


© Jaime Portela, Abril de 2019