Translater

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Espero-te no silêncio [200]



Espero-te no silêncio do sol-posto
antes que o luar faça ruído.
Armado de ternuras,
por tremuras meio desarmado,
aguardo-te para a valsa da noite
no aconchego de um pas de deux
há muito reprimido.
Ficarás nas palavras dos meus braços,
protegida, rodopiando num carrossel
vertiginoso e suave,
a centrifugar a mágoa
que teima em bailar nos teus olhos.
Voaremos quietos na valsa da noite,
depurados de loucuras e dilemas,
evitando que o luar ensurdeça
o sol-posto do teu silêncio.


© Jaime Portela, Novembro de 2018


quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Quando há mel [199]



Quando há mel
a flutuar nos teus encantos,
há cantos de musa
que embriagam, que sustenizam
cada uma das estrelas de fada
que saltam
da tua varinha de condão.
Há murmúrios encantados
que te devassam,
que latejam, obscenos,
num louco desejo de te habitar.
E há um corpo mandado,
espontâneo,
a dançar em bruto no sangue
que ferve o suor da tentação.
E há uma fonte, irreprimível,
a derramar-se no íntimo
do vaso de mel da tua agitação.


© Jaime Portela, Novembro de 2018


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Dois poemas [198]



Vens comigo?

Vens comigo?
Temos barcos aportados
e um já a bolinar, atrevido,
pronto a partir
do lado do coração, desenfreado.
Outro, na outra banda,
ainda preso ao cais da razão.

Na partida, navegaremos
atrevidos e tímidos.
Depois,
seremos um carrossel movido a beijos
a acelerar como silvas
ou uma montanha russa
a parir um rato.

Mesmo não sabendo qual o destino,
repito, vens comigo?


Escuto no silêncio

Escuto no silêncio
os nossos beijos,
que perduro e revivo
sem descanso nos teus olhos.
Saboreio a tua voz,
que me amanhece,
à espera do teu corpo
no porto do teu canto,
que me enlouquece.


© Jaime Portela, Novembro de 2018


quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Poesia ilusionista [197]



O olhar cego na visão
impenetrável para além dos muros
que a cercam,
mas a acreditar na baforada de luz,
apesar da noite que espreita.
O pentear de rios nas margens,
agitando remansos na floresta
da fantasia construída
pela sedução do seu corpo, num duelo
de memórias com dedos de paixão.

A torrente de lava,
bola de neve silenciosa,
molhada pela chama
que lhe desvenda os olhos de prazer,
no desejo incontido de fêmea
no auge de um cio embrulhado
num estímulo que a penetra,
que a desatina
até ao orgasmo arrebatado
de palavras com rima.

Ah poesia ilusionista,
nada inventas,
és apenas a ficção da realidade.


© Jaime Portela, Novembro de 2018


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Recuso-me a morrer [196]



Do tempo,
que morre e me despeja neste mar
de um só sentido, sou náufrago
quase sem me descobrir.

Mas vislumbro janelas
a florir para além do horizonte
da gaiola das memórias,
inundadas por esguias certezas
que flutuam na aridez
a abarrotar de chuva evaporada.

Recuso-me a morrer,
preciso de tempo para me descobrir
nas janelas de vida
que me acenam e sorriem do futuro.

Por isso, exijo
que alguém me retire tempo antigo,
varrendo memórias não sentidas,
sem interesse, obsoletas,
e que agora mo devolva por usar.


© Jaime Portela, Novembro de 2018