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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Vivo do sabor a framboesa [359]

 


Por entre laivos cinza de sol-posto,

qual preia-mar a crescer

lentamente no teu rosto,

são ilhéus quaisquer olhos como os teus

se me pedem o corpo no teu corpo.

 

Prendes o sol no cabelo

e nas tuas mãos cabem todos os gostos

que a tua boca nega de cobiça,

porque te sabes de areia permeável

às ondas que por ti procuram vida.

 

Vivo do sabor a framboesa

que se enrola no teu peito de sereia,

mas caio, abraçado à tua ilha,

sem comer da tua boca

a saudade que nos mata de incerteza.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2021



quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A chuva que nos molha [358]

 

Enquanto a tua boca

me dá voltas à cabeça

até perder o norte dos sentidos,

alongo-me em cada curva

que os meus jeitos, embora cegos,

descobrem retos no teu corpo.

 

Arrefeço-me no fogo

que o teu gozo me oferece,

para dilatar o momento,

até que o suspirar

nos faça perder o ar, doce tortura,

em arquejos que se enlaçam

penetrantes, de afogado.

 

E, na saliva que nos seca,

ninguém vê, dentro de nós,

passar a chuva que nos molha

a derramar-se em tanta luz.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2021




quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Da minha nau [357]

 

Da minha nau, vi o teu corpo

com cicatrizes gravadas

pelo revés de um fado caído,

falho no canto em luta

contra a sede libertina de um mar em fúria.

Dos teus cabelos revoltos,

dilatavam-se querenças

que mantinham à tona

o convés da esperança arroxeada,

mas viva, à procura de um farol.

Lancei-te boias retenidas de bravura

e guiei-te para o centro de ti mesma,

de onde me acenaste para entrar.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2021



quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Daria vivas à Pátria [356]

 

Daria vivas à Pátria,

no Cais das Colunas do Tejo

ou no Terreiro do Paço dourado,

se o respeito existisse e reinasse.

Não a aclamo porque não há decoro

nem grandeza patriótica

quando o voto não a vislumbra sequer.

 

Em vez do desígnio militante,

na causa partidária glorificado,

tivessem os representantes do povo

mandato com o selo da lealdade

e não se incomodaria, o povo,

com os hipócritas que elegeu

ao sufragarem medidas contra a nação.

 

Mas, sem nobreza nem carácter,

voltaremos a elegê-los

em nevoeiros de fado chorosos

e nem nos daremos ao trabalho da espera

de um D. Sebastião.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2021