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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Decadência [617]

 


Para os populistas, os outros

(minorias, imigrantes, partidos)

são os construtores da desgraça.

E a mentira penetra na memória coletiva

como água que caia na areia.

 

Os fabricantes de notícias sensacionalistas,

em nome de audiências,

distorcem factos ou insinuam

e usam os populistas.

Informar é secundário.

 

A decadência alastra-se,

dizem e mostram o que queremos ouvir

como quem dá guloseimas às crianças.

 

Aflitas,

as exceções vão perfilhando a mesma estratégia.

 

Na febre da ficção, todos se convencem

que para se atingir o êxito

basta haver um ponto fixo, a mentira,

e partir dali a toda a brida para o poder.

 

Se o povo fosse sábio… outro galo cantaria.



© Jaime Portela, Maio de 2025


segunda-feira, 19 de maio de 2025

Vítimas submissas [616]

 


Quem pretenda fazer

um inventário de aberrações,

bastará fixar em vocábulos

a irrealidade que o sono inventa

em noites de insónia.

Essas ficções

têm o absurdo dos sonhos

sem a desculpa do sono profundo.

Adejam como aves agoirentas

à volta da inércia do espirito

ou como mosquitos

que adormecem o nervo da recusa.


 

© Jaime Portela, Maio de 2025


segunda-feira, 12 de maio de 2025

Encarcerados [615]

 


Agarramo-nos à vida e não queremos a morte

e procuramos algo que cintila

no íntimo do desejo

como um tesouro de paz a flutuar

num céu onde não sabemos chegar.

 

É o fardo e o dissabor

do mundo que vemos e não vemos,

num firmamento embandeirado

de armas visíveis a olho nu

e na multidão de notícias

que vão enfraquecendo pela repetição,

de onde o minguante da pacificação

assoma como a candura estática da lua,

distante e apática.

 

E é assim que sentimos

a ausência de um Deus que nos valha

e nos liberte desta subsistência de guerra,

um Todo-Poderoso,

porventura distraído,

na imensidão de um céu incomunicável,

enquanto continuamos encarcerados numa prisão,

sem dela, nem Dele, podermos fugir.

 

 

© Jaime Portela, Maio de 2025


segunda-feira, 5 de maio de 2025

Se não sonhasse [614]

 


Se não sonhasse,

o existir num imperecível desprendimento

poderia apelidar-me de idealista,

ou seja,

alguém cujo mundo extrínseco

é uma nação apartada.

Não sou catalogável,

já que apenas tenho em mim

o saber do prognóstico só no fim do jogo,

porque transporto no sangue

os glóbulos que desconhecem a previsão.

Mas continuo a sonhar,

é qualquer coisa como a obrigação

de fazer do sonho uma constante,

porque gosto de assistir a um bom desempenho

sendo eu a testemunha do que faço e penso.

Na verdade, é dos sonhos que me edifico

em casas e causas imaginadas,

vistas incertas, quadros datados ou futuristas,

num sonho contínuo

produzido entre matizes de arco-íris

e à sombra de aplausos impercetíveis.

 

 

© Jaime Portela, Maio de 2025