Com o tempo, passamos a duvidar
se o que se consuma a cada dia nos diz respeito
ou se, o que somos, é uma desmemória à meia-luz
onde não existem mais que uns vagos zumbidos
sem o grasnar das gaivotas.
Quase nada sabemos,
o que resta da infância são histórias
mais distorcidas que os sargaços,
abraçamo-nos ao carinho do sol que escasseia
ou à aragem imprecisa,
mas culpada sem provas dos resfriados.
As lamparinas votivas tremem de fé
na igreja onde já não rezamos
e paralisam as águas
nos lagos de lembranças desabitados.
Não são visíveis os corações esculpidos
nas árvores da vida e as vontades são papéis
que voam empurrados por um vento incerto
à sorte de mãos alheias que raramente os
acolhem.
Outros virão
para olharem o mundo da mesma janela,
chorosos do sol que há lá fora e, com sorte,
acabarão sem contrições no meio de círios
ou manchados
de infrações que sempre negaram em vida.
© Jaime Portela, Abril de 2025