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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O Moscardo [644]

 


Liguei o computador

e o que vi não foram imagens nem palavras,

foi um moscardo a esfregar as mãos de contente.

Mirei-o de alto abaixo com profunda repugnância,

de pêlos ao alto

de tão desperta repulsa eriçados.

O enorme moscardo era luzidio, anafado,

de um preto esverdeado com reflexos azulados.

Pensei em matá-lo.

Mas, quem sabe para que poderes supremos,

não serei eu um pequeno inseto

que incomoda e repugna…

E foi combalido,

com um pavor mais negro que a cor do moscardo,

que pensei nesta analogia ridícula.

Mas a verdade é que me senti moscardo

quando a ele me assemelhei.

Nessa noite

sonhei que era um luzidio moscardo

a esfregar as mãos de contente

enquanto me banqueteava com migalhas

que às centenas havia na mesa.

Subitamente,

caiu sobre mim um mata-moscas supremo

que me pisava e repisava.

Acordei com suores frios

e passei a ser amigo do irmão moscardo,

das formigas que me entram na cozinha,

dos macacos nossos primos,

dos pardais que cagam nos parapeitos das janelas,

das trepadeiras que não me largam o muro

por mais que as esquarteje,

enfim, sou amigo de tudo o que é vida na Terra,

que não é só nossa,

porque tivemos uma origem comum

e porque  todos precisam de todos para viver.

 

 

© Jaime Portela, Dezembro de 2025