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quinta-feira, 27 de junho de 2019

Há rosas que nascem das pedras [230]



Há rosas que nascem das pedras,
sem água nem sol,
mas que, quando sentem o céu,
passam a ter o pólen dos amantes.

As nossas, surgiram assim,
e foi para elas que criámos a chuva
e que concebemos o seu perfume
regando-as com palavras.

Mas eu fico estranho
quando não há meio de colher as pétalas
com vida na tua boca, porque, assim,
não posso tocar os teus seios.

Quanto anseio por te amar
depois de te beijar com asas de céu
para que as pedras e as sombras
se afastem e eu não padeça…

O que fazer nos intervalos de ti se,
quando toco a tua rosa,
ficas sem corpo e o meu tem de renascer
quando se apaga no teu?



© Jaime Portela, Junho de 2019


quinta-feira, 20 de junho de 2019

Deixemos o amor livre como a onda [229]



Ao amor, no seu perseverante deambular
por curvas não equacionáveis,
não devemos obrigá-lo a acomodar-se,
para que, no seu mar nem sempre chão,
possa emitir o seu lamento ou a sua exaltação.

Deixemos o amor livre como a onda
que, ao inútil e utópico propósito de ser colhida,
prossegue, impávida, a sua equação
na lealdade ao ignorado fulcro que a gerou,
resistindo, até, às falaciosas voltas que o vento inventa.

Seja o amor, então, o epicentro da emoção
sem se apartar da razão inexplicável de si próprio
e desfrute das chamas que o seu fogo incita e alimenta
na sua combustão interminável,
porque é nuclear e não vem de um sol que arrefeça.


© Jaime Portela, Junho de 2019


quinta-feira, 13 de junho de 2019

Dar voz ao coração [228]



Quando não há candeia
a alumiar o caminho, apesar de claro,
é perigoso deixar de ouvir
a voz do coração.
Quando essa candeia existe,
são os nossos passos
que falam mais alto,
porque a luz brota dos pés
e a ordem rebenta nos dedos da vitória,
num contentamento
tão fundado como o ar que respiramos.
Por isso, há que abandonar
a culpa do silêncio e dar voz ao coração,
há que devolver o rumo
ao nosso porta-aviões [se à deriva]
e ver as caixas negras
de cada cicatriz do coração.


© Jaime Portela, Junho de 2019


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Escuta o canto pungente das mãos [227]




Escuta o canto pungente das mãos
que te procuram
e que da espera se contorcem na tristeza.

Não há pranto, não há nuvens
para que o amor fique num canto
amordaçado e ferido, porque
a cada minuto sem ti
há um mar de incertezas
que no meu pensar se afundam
com uma pedra ao pescoço do desencanto.

Sem ti, sem o teu fogo,
sou um coveiro de sonhos
a remexer nas cinzas
do que não foi queimado na fogueira
do teu não.


© Jaime Portela, Junho de 2019