A atração de um corpo despido
só excita a vontade do amor físico
nas espécies que usam vestuário.
O impedimento está para o desejo
como a reação está para a ação.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
A atração de um corpo despido
só excita a vontade do amor físico
nas espécies que usam vestuário.
O impedimento está para o desejo
como a reação está para a ação.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
Diz a sabedoria hipócrita
que se deve colocar a má-língua
onde a palavra de cada um
mais se misture com a dos próximos.
Quando somos imbuídos
pelo que os outros esperam de nós,
meio caminho está percorrido.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
A inércia fortalece alguma coisa?
Podemos conseguir tudo sem nada fazer?
Abençoados sejam os herdeiros de fortunas.
Alguém conquista o Universo fora da fantasia?
Mas há sempre quem tente ser imperador
do planeta ou de grande parte dele.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
Viajar da crença para a razão
é apenas ser transferido de prisão.
Não há camaradagem mais intensa
que a da perceção de um delito
que se compartilha, dissolve e absolve
em grandes aglomerados de pessoas.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
Nada ser, meditando, é soberania.
Nada pretender, desejando, é um cúmulo.
Possuímos o que renunciamos,
mas só no tempo que o preservarmos pensado.
Criar pode ser tudo
se não for substituído pela ação.
Mas inventar a roda e a mentira
são criações
desiguais nos propósitos.
© Jaime Portela, Janeiro de 2025
Abraçar doutrinas,
refletindo-as, raramente,
apenas quando, por exceção,
a forca aperta a voz amedrontada,
tendo no resto
das páginas do diário
um registo fora delas,
agindo e legitimando a prática
com teorias que as contradizem,
é abrir um caminho na vida
e depois seguir por atalhos encobertos.
Ter gestos e modos de uma essência
que somos e seguimos de facto
mas que não queremos ser vistos como sendo,
é estar em cena e não seguir o guião
que escrevemos para os outros,
é dizer “olha para o que eu digo,
mas não olhes para o que eu faço”.
© Jaime Portela, Dezembro de 2024
Tenho andado em palcos
sem saber as deixas para eu falar,
pelo que vou improvisando a cada silêncio.
Por vezes uso roupas de príncipe
sem princesa à vista
e o ponto grita em surdina para chamá-la.
Nem sempre vem.
Também ando por caminhos
onde me perco sem bússola nem sextante.
A cada entroncamento,
penso 90 graus de cada vez
e acabo a fazer naus obsoletas
com as cascas dos pinheiros hipócritas
que me cercam de elogios
em que ninguém sinceramente navega.
As minhas falas nem sempre são ouvidas,
são mudas que falam a surdos
e acabam por cair angustiadas
em sacos rotos que se amontoam
nos mares dos tempos perdidos,
são lampiões extintos em nevoeiros
e só visíveis com óculos de visão noturna.
Ano novo, vida nova?
Se ao menos tivesse Flora no meu leito
sem que Zéfiro soubesse
ou tivesse uma princesa que guardasse
na sua arca dourada os ecos da minha vida.
Mas tenho sido
um guardador de peixes rebeldes
que fogem da minha nau não sei para onde
e nem vejo os remos que me levem às falas
para acabar com os impensados improvisos.
© Jaime Portela, Dezembro de 2024
No lusco-fusco da perceção,
a vida humana,
de crentes, ateus ou agnósticos,
subsiste na dúvida branda.
Incertos do que queremos,
ainda que certos nas mortes da guerra
que só a execramos quando a pólvora
perturba o nosso sossego azul
com um erro
cujo ângulo balístico desconhecemos,
somos marionetas que nos interlúdios
dançam músicas de encantar natais.
Por vezes, através das janelas,
pressentimos a luz,
mas tudo é indeterminado
como os ruídos noturnos.
E nem o Natal nos aclara,
a menos que o Menino Jesus
nascesse de novo no litoral da Rússia,
da Ucrânia, de Israel, da Síria,
da Faixa de Gaza, da Palestina,
de Moçambique, da Etiópia,
do Afeganistão, do Irão, do Iémen
e em todos os litorais dos continentes
dos senhores da guerra.
© Jaime Portela, Dezembro de 2024
PS: poema
inspirado na iniciativa da Rosélia em https://www.idade-espiritual.com.br/2024/12/xv-interacao-fraterna-de-natal-menino.html
Quando o amor chora de sede,
há um deserto dentro do peito
e um martelo, impiedoso,
que bate sem trégua na mente.
Há rios que outrora dançaram
que ficam sem peixes
na seca terra da razão,
um leito inóspito
onde o sono e o sonho não espigam.
O vento,
um sussurro cansado,
não traz chuva nos desejos e as nuvens,
em lamento,
carregam apenas uma névoa de dúvidas.
E, no horizonte,
não há sequer a espera nem a esperança
de um sinal de mudança,
há uma parede, uma angústia que não cede
quando o amor chora de sede.
© Jaime Portela, Dezembro de 2024
Por vezes, em noites de vigília,
sentimos a grandeza de sermos grandes
sendo pouco mais que insignificantes.
Experimentamos, com eloquência,
discursos sobre ideias
que nem um erudito monge diria
consubstanciado em Cristo
no remanso da sua cela de pedra.
À mesa do absurdo
concebemos teorias
como a conversão dos ímpios autocratas
e resplandecemos, boquiabertos,
no virtual ocaso da guerra
colocando o anel da resignação
nos seus dedos assassinos,
virando bondosos, esmeralda cravada
no seu desamor arrebatado.
De nada valem estas idiotices,
mas o confronto não nos derrota, liberta-nos,
porque temos a dimensão do que sentimos.
© Jaime Portela, Dezembro de 2024