Já que, porventura, nem tudo é inventado,
que o gosto extasiante de mentir seja
incurável.
Ainda que imbecil, a mentira é uma arte
e tem toda a sedução do vício
no permanente feitiço de não ser descoberta,
ou por ser descoberta por quem não se importa
e sempre nos aplaude.
A depravação que não respira o prazer,
não tem a raiva de nos acarretar desgosto
e tomba caída numa inutilidade paradoxal
como um boneco de criança estragado
com que um maior pretendesse recrear-se.
Que gestos têm uma aparência tão estética,
como algo contrafeito melhor que o original,
que mentem à sua essência e contestam o
propósito?
Mas, se a mentira nos der
descontrolado contentamento,
digamos o que aparenta ser autêntico,
de vez em quando, para a iludirmos,
ainda que alguns percebam
que estamos a dizer o contrário do que parece.
E quando nos sentirmos aflitos,
é hora de parar e brincar,
para que a angústia não se expresse séria
na verdade que se vira contra nós.
© Jaime Portela, Novembro de 2025