Translater

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A obrigação de informar [587]

 


Para que as flores da verdade

floresçam depois de pisadas,

há que inventar a sincronia das palavras

boleadas na razão e nos factos

e evitar os antídotos que destruam

o viço de flores de outras cores.

 

Porém, menções às divergências,

de maxilas esfalfadas

na intenção de melhores resultados,

onde os pontos de vista contrários

são como as cerejas,

são atiradas pelas janelas partidas

e caem mortas na rua dos tabus.

 

Porque, no caminho

onde a difusão requer lógica

para que se torne compreensível,

a vastidão de análises sem ética,

que repetem mensagens disruptivas

exibidas até à exaustão,

disfarça a obrigação de informar.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2024


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Tacticismos [586]

 


O estridor,

na azáfama do arregimentar

dos cardumes do peixe miúdo

nas salgadeiras dos votos,

é costumeiro.

No rescaldo,

há mão firme na queimada

de escárnio e maldizer

para que a ruína dos opositores

se construa.

E, não havendo misericórdia

para os perdedores,

os beneméritos hipócritas

são desnecessários.

 

© Jaime Portela, Novembro de 2024


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O futuro é já ali depois da morte [585]

 


O tempo pode ser um lago sem margens

onde se torna invisível.

Quando o sentimos, é um rio em linhas sinuosas

que flui por entre as pedras,

contando histórias de lembranças

e seguindo os destinos que nos podem marcar.

 

Cada escolha no tempo

é um universo que altera o futuro,

é uma tela em branco de um novo caminho,

é um sopro de vento que nos impele

numa jornada mais importante que a chegada.

 

O tempo não perdura no futuro

porque este ainda não existe.

Todos nos limitamos a medir o futuro

em passos que iremos dar

e em sonhos que brotarão da luz

que perseguimos.

 

O tempo é um amigo que espera por nós.

Quando dormimos, o tempo não passa.

Os crentes

não precisam de medir o futuro em anos-luz,

porque o futuro é já ali depois da morte.

 

 

© Jaime Portela, Novembro de 2024


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

As forjas de Wall Street [584]

 


O tempo capitaliza as cifras

que dançam em labirintos de vidro e aço

ao som de uma música suave

que sai das forjas a fabricar canhões

para uma guerra bem longe.

 

O pulsar frenético do mercado,

em cliques metálicos,

vai trocando sonhos por números,

em transações de esperança

nas telas que piscam à velocidade dos mísseis.

 

Mas há quem sucumba à ganância,

vendo a sua ambição escorregar

para as mãos de vigilantes

que manipulam o vento

de ratings sombrios a instigar a queda.

 

Nas sombras, a pobreza persiste,

perpetuada pela indiferença egoísta

das forjas de ilusões nas mãos do poder,

que querem ver a sua riqueza, já desmedida,

sem nunca parar de crescer.

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Toupeiras voadoras [583]

 


No ventre escuro da terra oficial,

tão fundo, tão silencioso,

as toupeiras cavam os seus rumos

num mundo secreto e misterioso.

 

Sem o brilho das estrelas jornalísticas

nem o calor do sol auricular, elas conversam,

em sigilo, onde a vida não gira,

é a mentira no escuro das palavras ocultas.

 

Com as suas garras miúdas,

desenham no subsolo os projetos da vitória,

rasgando o terreno em linhas curvas

como se descobrissem o céu.

 

E sonham, quem sabe,

com um paraíso onde o vento corre livre

e sempre de feição,

deixando o inimigo numa ilha deserta sem luz.

 

Mas, se pudessem lançar-se

no voo que ambicionam e desconhecem,

os ratos-cegos do poder

talvez se perdessem nos céus.

 

Mas o voo das toupeiras

nunca será como o dos pássaros,

é um mergulho para dentro,

e armadilhar é o inverso de sonhar.

 

Entre raízes egocêntricas e pedras falaciosas,

desenham o seu destino

no silêncio profundo da maquinação,

onde o mundo não é divino.

 

E assim vivem as toupeiras voadoras,

numa dança privada e negada sem fim,

não no céu aberto e livre das aves,

mas no voo das catacumbas, porque sim.

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A política nas redes sociais [582]

 


É no ruído primário

sobre ideias fanáticas

que mascaram

o apocalipse da esperança

que o desespero investe.

 

E a reprodução giratória

faz crescer pela ressonância

o ímpeto e a vulgaridade

das palavras perversas

e insultuosas

dirigidas aos rivais.

 

E nem doutorados com borla

se esquivam à mixórdia,

onde ser fogo e ser queimado

se confundem.

 

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024


segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Manteiga nos versos [581]

 


Quando o motim interior

se plasma num mínimo poema que seja,

a pauta normalizada é distorcida

pela torrente encorpada

a deslizar por entre fragas mandantes.

 

O cortejo de palavras dispensáveis

naufraga ou desmantela-se

contra as pedras do caminho

e jazem agoniadas por ação da borracha,

que as elimina e empurra

para a periferia do papel.

 

E ficam, quando há talento,

apenas as palavras precisas

para que o motim se revele

sem distorções nem empecilhos,

ainda que leituras possam reclamar

mais manteiga nos versos.

 

 

© Jaime Portela, Outubro de 2024

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O populismo [580]

 


A infeção,

sem a lavagem que a centrifugação

dos pensamentos primários poderia fazer,

provoca um turbilhão já previsível.

 

As elipses pintam as parábolas

em círculos alegóricos,

que descem impressivas,

e é preciso um chapéu de sabedoria

para filtrar o trigo do joio.

 

Mas há sempre alguém

que se enamora pela chuva antropófaga,

numa atração por abismos de proposições absurdas

onde o livre arbítrio adoece.

 

 

 

© Jaime Portela, Setembro de 2024