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segunda-feira, 15 de abril de 2024

Teatro Circo – Há nuvens em Abril [556]

 


Personagens:

·        Palhaço Habilidoso – André Ventura (líder do Chega, partido populista de extrema direita)

·        Elefantes – Deputados do Chega

·        Leão Equilibrista Mentiroso – Luís Montenegro (atual 1º ministro)

·        Domador Ilusionista – Marcelo Rebelo de Sousa (atual presidente da República)

 

 

1ª Cena - O circo

 

Há nuvens em Abril

alimentadas por um palhaço habilidoso

com a ajuda de elefantes quase todos iletrados

num circo onde o leão equilibrista,

que os poderia pelo menos assustar,

mas não é surdo

e vai dançando no trapézio da mentira

sem pensar matar-se se ninguém o segurar.

 

 

2ª Cena – As linhas vermelhas oscilantes

 

Há nuvens em Abril,

numa arena onde os cravos são ignorados

por malabaristas saudosos do chicote,

onde o novato acrobata

e arrogante equilibrista das linhas vermelhas,

que oscilam conforme lhe dá jeito,

já culpa quem não o ajudar antes mesmo de cair.

 

 

3ª Cena – O domador ilusionista

 

Há nuvens em Abril,

mas, do seu palácio,

onde as suas nuvens são sopradas para longe,

o domador ilusionista de ginjas, cunhas,

gelados e demais parágrafos e cenas teatrais,

assiste inebriado

ao contorcionismo geral por si criado

e virá à ribalta anunciar

que apagará com água benta o fogo que gerou

ou, inspirado por Nero,

com mais fogo que de novo cuspirá.

 

 

4ª Cena – A humilhação dos cravos

 

Há nuvens em Abril,

os cravos são humilhados

por uma manada de elefantes atrás de um palhaço,

onde o leão, aspirante a vítima, desafia que o derrubem

e o ilusionista joga com o fogo que no circo atiçou

para soprar as suas nuvens para longe.

 

 

5ª Cena – O choque fiscal aldrabão

 

O tremor da voz torna-se forte

e agitam-se nos engasgues dos ajudantes do leão,

acoitado nos bastidores do choque fiscal aldrabão,

num choro reprimido no aterro do mal-estar,

enquanto os enganados, todos menos ele,

em breve lhe darão o troco com juros acrescidos.

Se ainda for vivo, mas há nuvens em Abril.

 

 

© Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 8 de abril de 2024

Os preguiçosos [555]

 


Erram como borboletas sonolentas

evitando a dureza das pedras do caminho,

deixando-as livres

para os voos retilíneos dos outros.

Numa senda norteada pelo culto do ócio,

de onde nem se apercebem

do trabalho das árvores

quando libertam os seus braços verdes

num hino de esperança,

pisam os rebentos aromáticos

que lhes resvalam dos dedos ensonados.

Coerentes,

são capazes sobreviver à sombra dos outros

e de morrer à sede enquanto chove.

 

© Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Separações [554]

 


São os afetos

engolidos na silenciosa implosão do sentir

que fazem cair os desígnios

alicerçados nas recordações timbradas na vida.

O que se ouve

são apenas ecos de portas que se fecham

mas que ainda permitem

a passagem de esperanças e desculpas

já impotentes para colar os destroços.

Nestas contendas,

não há vencedores nem vencidos,

o respeito e o desrespeito

dizem apenas de que lado é que o vento sopra.

 

© Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 25 de março de 2024

NÃO é NÃO? [553]

 


Saídos de um triste beco

da sua existência xenófoba,

despontam radiosos

com palavras chãs de racismo

no rebuço populista.

Os perdigotos,

que deviam ser insolúveis,

acabam por penetrar

nos incautos descontentes

e noutros com fome de poder.

O tráfico fica congestionado

e há cada vez mais troca-tintas

capazes de matar

os vestígios da lógica apregoada.

Então,

os altos interesses da nação

(leia-se, do poder)

poderão metamorfosear

o “não é não”

para o “não é talvez”

e, por fim, para o “não é sim”.

 

© Jaime Portela, Março de 2024


segunda-feira, 18 de março de 2024

O tempo [552]

 


O tempo deveria ser diferente

e não caminhar sempre em frente

sem olhar para onde vai.

Poderia ter curvas e contracurvas

e até marcha atrás de vez em quando.

Também gostaria

que as noites não fossem escuras

e que tivessem sempre a lua cheia

com o triplo da luz

(o que se poupava em iluminação pública).

Seria bom, também,

que as guerras fossem proibidas,

que ninguém passasse fome nem frio

e que a verdade fosse a única opção.

Mas a vida segue o seu curso

e sabe a sonho e a pedra,

a ternura e a desamor,

a sucesso e a desgraça,

a esperança e a desespero,

a paz e a guerra.

O tempo arrasta-nos,

empurra-nos,

ilude-nos

e alaga-nos em remoinhos de lodo.

Envelhece-nos e mata-nos a todos.

 

© Jaime Portela, Março de 2024


segunda-feira, 11 de março de 2024

Cartas de amor [551]

 


O balde está quase cheio e o cheiro,

nauseabundo,

dorme na minha insónia como se fosse uma faca

a perfurar-me os miolos.

Ontem sujei os dedos e não havia jornal.

Limpei-os à parede.

Não tinha alternativa,

queria escrever-te com as mãos limpas,

mas levei dois pontapés

para aprender a ser limpo e educado.

Hoje deviam louvar-me,

despejei o balde para o chão, civilizadamente,

e enfiei-o na minha cabeça.

Perceberam a mensagem,

levaram-me ao psicólogo

e respirei ar quase puro durante uma hora

a explicar-lhe que eu era um preso político.

De volta à cela, passei ao nível 2:

despejei o balde em cima do guarda.

Depois disso,

fiquei sem mais vidas para gastar:

acorrentaram-me, sem balde, na solitária,

e apreenderam as nossas cartas de amor.

 

© Jaime Portela, Março de 2024


segunda-feira, 4 de março de 2024

Eram prenúncios de céu [550]

 


Eram prenúncios de céu

os mistérios que me chegavam

envoltos em nevoeiros a esconder

o teu exato desígnio amuralhado.

Vidente,

percebi nos teus dissimulados gestos

o contrário da indiferença,

rompi o nevoeiro

e demoli a muralha,

que afinal eram tão frágeis.

Agora que te vejo claramente,

conheço o teu sangue,

o teu âmago

e todas as vias

onde podemos alargar sem mistérios

os nossos supremos voos até ao céu.

Lá no alto,

vou largar-te  e vais cair desamparada

porque sou um predador de um só voo.

 

© Jaime Portela, Março de 2024