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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O meu cão


Despiste as vestes do passado
para trajar o futuro da vontade fugaz.
Ficaste assexuada
no vazio de emoções quando a paixão
já não te rasgava as entranhas.

Sangraste, exauriste até à gota derradeira
a tua seiva aturdida
na transfusão ininterrupta de caminhos
cada vez mais destroçados.

Emudeceste, ensurdeceste,
para que os nossos tímpanos
continuassem virgens ao engenho das palavras.

Trocaste a tua pele de tatuagens genuínas
pela aparência maquilhada
de uma boneca de pilhas.

Abandonaste braços, mãos, pernas e olhos
para que eu não algemasse a tua fuga para a cegueira.

Amputaste neurónios, pensamentos e verdades
no desassossego de madrugadas vazias de sentido.

Atiraste para a lixeira
o que restava do teu corpo enlouquecido,
sem perceberes que a sua reciclagem era impossível.

Suicidaste-te para que nada mais te pedisse.
Enterrei-te, bem fundo,
a cadeado no meu paiol da indiferença,
para que o meu cão não te desenterrasse
e morresse envenenado
ao trazer-te de novo para mim.

Enterrei-me
à mesma profundidade que tu, a teu lado,
morri envenenado ao enganar o meu cão
quando voltaste para mim.




41 comentários:

Afrodite disse...

Poesia, boa poesia, não é só aquela enfeitada de palavras bonitas e declarações de amor. A poesia também pode ser dor, raiva, alucinação, desespero, abandono... e será tanto melhor e única se tiver a capacidade de nos chocar e de mexer connosco.
Foi o caso desta!

Beijinhos de regresso
(^^)

Larissa Santos disse...

Apesar de diferente, é muito emocional. Parabéns.

Hoje: Adormeci num sonho de ternura

Bjos
Votos de uma óptima Quinta-Feira

Cidália Ferreira disse...

Wow! Mas que belo!! Amei!

Beijos e um dia feliz!

Roselia Bezerra disse...

Boa tarde, Jaime!
Nossa que intensidade no poetar e que verdades nos versos contidos.
Que isso não nos ocorra de forma alguma!
Hoje, conversava com uma filha do coração sobre um senhor que amou desta forma, coitado!
Tenha dias felizes e abençoados!
Abraços fraternais de paz e bem

Arthur Claro disse...

Muito boa esta poesia.

Arthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com

Franziska disse...

Suicidaste-te para que nada mais te pedisse.
Enterrei-te, bem fundo,
a cadeado no meu paiol da indiferença,
para que o meu cão não te desenterrasse
e morresse envenenado
ao trazer-te de novo para mim.

Enterrei-me
à mesma profundidade que tu, a teu lado,
morri envenenado ao enganar o meu cão
quando voltaste para mim.

Este finaal es un completo acierto de ser que habla a corazón abierto.

Feliz fin de semana. Un abrazo.

Os olhares da Gracinha! disse...

Emoções ao rubro em curioso poema!
Gostei ... bj

HD disse...

Profundamente visceral...
Um abraço, Jaime!

By Me disse...

Reconheço a grande complexidade que aqui está ! Reconheço a grandeza do poema! Reconheço a beleza intrínseca das palavras cuidadosamente utilizadas. Uma verdadeira mestria, um verdadeiro enigma ! Parabéns !
Amigo JP, bom fim de semana.
Beijo

Andreia Morais disse...

Um poema triste, sofrido, bastante intenso. Mas sempre majestoso!

r: Muito obrigada :)
Igualmente, para si e para os seus*

Josélia Micael disse...

Maravilhoso poema meu amigo!
Adorei como sempre!
Beijo de paz e bem, felicidades.

Marta Vinhais disse...

A vida... um eterno puzzle e, sim, quantas vezes, "morremos envenenados"....
Intenso, poderoso... além de brilhante....
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta

Graça Pires disse...

Um poema muito cheio de emoção e intensidade.
Um bom fim de semana, Jaime.
Um beijo.

tulipa disse...


Uma pessoa "ferida" nem sabe o que fazer!

A sério.
Recebi um "recado" de alguém
que se insurgiu por eu lhe dar a ela,
como tenho dado a muitas outras o link dos meus blogues
e, como vejo "outras pessoas fazer"
não sou a única!

Mas DÓI, Jaime!
Dói porque não o faço com segundas intenções.
Nem o faço todas as semanas nem todos os dias.

Caramba!
Será que as pessoas perderam a humildade de aceitar e perdoar
e reagem logo à bruta?

Sabes o que te digo?
na transfusão ininterrupta de caminhos
cada vez mais destroçados.

Pegando nas tuas PALAVRAS tão bem escritas
é como me sinto (destroçada)

Desculpa o desabafo
Ando mal e estas "coisas" nada ajudam, beijinho

Célia disse...

Emoções! Muitas emoções! Em um misto de homem e animal. Animalescos somos todos - viventes! Envenenamos e somos envenenados pelo amor afrodisíaco!
Destaco:
"... Emudeceste, ensurdeceste,
para que os nossos tímpanos
continuassem virgens ao engenho das palavras."
Abraço.

Lua Singular disse...

Oi Jaime
Que maravilha de poesia metafórica!
Uma engenhosa história em forma de poesia
Amei
Beijos no coração
Lua Singular

PAULO TAMBURRO. disse...

Eta inspiração infinita, Jaime,quantos espaços você conquista,quantas margens você ignora e as rompe e quantos novos rios são criados pela genialidade deste seu contorno poético que o transforma num expertise nesta área.
E você percorre estes meandros da poesia como se estivesse andando para frente e de pé, coisa que nós os seres humanos o fazemos a milhares de anos.
Lindíssimo!
Um abração carioca.

Marli Terezinha Andrucho Boldori disse...

Boa tarde,Jaime,
seu poema está repleto de ótimas e bem escolhidas metáforas e comparações.
Encheu-me de pensamentos e precisei fazer várias leituras para entender um pouco de seus versos muito bem construídos, mas na maioria das vezes nos enganamos quando pensamos que podemos compreender as palavras do poeta.
Excelente! Abraço!

Ana Tapadas disse...

Forte, numa intensidade original e diferente do estilo habitual por aqui (mais lírico e comedido). Gostei muito.

Beijinho

Maria Rodrigues disse...

Profundo e sentido poema.
Maravilhoso!
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco

Betonicou disse...

Boa noite Jaime. Aqui percebemos um eu lirico, repleto da revolta ocasionada pelo viver amargurado de uma relação. Confesso que li com bastante atenção a revolta do poeta, e digo que soubeste fazer belo, o que lhe era feio à alma . O Poeta escreve tão belo, mesmo em meio ás amarguras. Desejo-lhe um ótimo fim de semana, querido artista. Temos nova postagem por lá. Grande abraço.

SOLIDARIEDADE disse...

Poesia carregada de duras palavras e pétreas emoções . Não é uma poesia, "é uma granada sem pino" de sentimentos.
Abraços

Anónimo disse...

Bom dia Jaime, versos soberbos sobejando lirismo, nem a tristeza contida nos versos foi capaz de apagar a beleza poética.


Deixo o link da minha singela homenagem aos pais!
https://afetocolorido.blogspot.com/2018/08/feliz-dia-dos-pais.html

Bom final semana!

Abração!

SOL da Esteva disse...

Intenso, dorido, é quase um Poema de raiva.
Muito bom, Amigo.


Abraço
SOL

teresa dias disse...

“Despiste as vestes do passado
para trajar o futuro da vontade fugaz.
Ficaste assexuada
no vazio de emoções quando a paixão
já não te rasgava as entranhas.”
Jaime, mesmo de férias (do rol) não resisti a buscar encantamento no seu «engenho de palavras».
“A poesia (a verdadeira poesia) é assim: deixa-se pressentir, anuncia-se no ar, como os terramotos…”, diz Roberto Bolaño no magnífico romance “Os detectives selvagens” .
Parabéns, meu amigo, grande poema!
Beijo.

_ Gil António _ disse...

Bom dia. Poema brilhante. Uma delicia de leitura

Deixando um abraço

Diana Fonseca disse...

Que poema intenso.

Pedro Coimbra disse...

Este é ácido, corrosivo.
Aquele abraço, boa semana

Emília Pinto disse...

" A ampulheta continua a vazar o tempo " sem que a possamos impedir e, a cada dia lá temos nós de a virar ao contrário para que ela continue a sua função , aquela que lhe foi destinada. E enquanto tivermos força para lidar com ela, uma vez e outra e outra novamente a colocaremos na sua posição. Nesses enretantantos surge-nos de um tudo, amores , alegrias, encontros, desamores, muitos desencontros e um sem número de desilusões, emoções e problemas com os quais temos de lidar e, pior, sem poder voltar atrás e " desenterrar" o que passou. Só temos certo este aqui e este agora e também nos é dada a permissão de pensarmos num futuro, de mantermos a esperança de que o dia seguinte seja melhor, que o amor que se foi volte , totamente " reciclado " para que , com ele, ganhemos novo fôlego para continuar. As vezes, não sei...melhor seria que um amor desses ficasse para sempre enterrado e um novo aparecesse , livre de promessas, vivido plenamente, dia a dia, momento a momento, sem a expectativa de ser para sempre. Ė que não sei se alguma coisa será para sempre, Jaime...
Será o amor? Algum tipo de amor, sim, é para sempre, mas este que aqui descreves, ...tenho algumas dúvidas. Mas não vale a pena pensar nisso, não vale a pena desenterrar passados e muito menos vale enganar o " teu cão" Vale viver o amor de agora intensamente e deixar que o nosso cão, fiel como ele só, se regozige com a nossa felicidade. O " teu cão, esse nunca te abandonará, mesmo sem te ter prometido que a teu lado sempre estará. Amigo, falaste do teu cão e, embora não tenha um, prefiro falar dele a falar do bicho " homem" e penso que não sou a única; por algum moivo o teu esteve presente neste belo poema. Um beijinho, Jaime e muita saúde, amor e alegria.
Emilia

Rui Pires - Olhar d'Ouro disse...

Parabéns pela capacidade de usar as palavras... até parece fácil... mas na realidade não está ao alcance de todos!
Um abraço...

Olhar d'Ouro - bLoG
Olhar d'Ouro - fAcEbOOk

Fá menor disse...

Muito forte!

Por vezes envenenamos as relações, matamos e morremos sem darmos por isso.
Talvez que assim uma chicotada psicológica possa surtir algum efeito... de parte a parte.

Boa semana, amigo Jaime!

Beijinhos.

Portugalredecouvertes disse...

Olá Jaime,
que brutidade intensamente verdadeira !
é o amor, é a fúria da natureza que não olha a meios para avançar na sua força viva,
que transmite a vida na dor e na morte
a tragédia que todos os dias testemunhamos e que por vezes chamamos amor,
para lhe dar um tom menos assustador ?! sem o qual não podemos viver
que passa necessariamente pela morte de uns para alimentar a existência dos outros
sejam eles humanos ou animais
e aceitamos e nos deitamos ao lado da tragedia para que a vida global se alimente da nossa nudez e do esquecimento que é o nosso destino
bah !

é o que eu entendo no encadeamento das suas palavras :)

abraço

Angela


manuela barroso disse...

A intensidade do poema , ruborizou- me as palavras . Grande poema, Jaime !
Abraço caríssimo amigo

Arte & Emoções disse...

Suicidaste-te para que nada mais te pedisse.
Enterrei-te, bem fundo,
a cadeado no meu paiol da indiferença,
para que o meu cão não te desenterrasse
e morresse envenenado
ao trazer-te de novo para mim.

Belo e muito forte Jaime. Gostei bastante.

Abraços,

Furtado

luar perdido disse...

Querido amigo Jaime, que intensidade, que força, que revolta de um coração tão bem composta neste poema; magnifico!
Adorei esta forma lindíssima de mostrar a alma "envenenada". Que mestria, que força e, em simultâneo, que beleza "bruta".

Beijo de luar, meu amigo.

saudade disse...

Adoro quando te leio e fico a pensar no que tão bem escreves e descreves.
Maravilhoso.
Beijo de...
Saudade

Robson Ramos disse...


Conhecer seu blog foi
uma satisfação enorme!
Está de parabéns pelo blog!
Espero por sua visita em meu blog também.
https://www.robsonpensador.blog.br

Jaime Portela disse...

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Caros amigos, obrigado pelos vossos comentários. Voltem sempre.
Entretanto, acabei de publicar um novo poema. Espero que gostem.
Continuação de boa semana. E boas férias, se for o caso.
Saudações poéticas.
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Ana Freire disse...

Um poema de uma profundidade incrível, Jaime!...
Veio-me à ideia, o livro e o filme... "O diário da nossa paixão"
Ele lia-lhe todos os dias... a história da sua vida, em comum... para que ela não o considerasse um estranho... depois da sua doença ter apagado aos poucos, todas as memórias, e emoções... no final... morreram de mãos dadas... continuariam juntos... de alguma forma... em algum outro lugar...
Magnifico trabalho! Muitos parabéns, Jaime! Adorei cada palavra!...
Um beijinho grande! Até breve!...
Ana

Agostinho disse...

O Poeta pintou, pintou de cores pesadas, encharcado de desilusão atá que o tempo acabou. No final, genial, dá o golpe de rins para ele próprio se inumar. Bom!

Abraço

SOLIDARIEDADE disse...

Vim para rever esta contundente poesia sua.
Abraços.