Se o silêncio nos agride ao escutarmosa malquerença vestida sem palavras,somos punidos por tenazesagrilhoadas aos pulsos emudecidos.Nesta prisão, se voluntária e apática,a luz, desonesta,finta-nos pelos apagados buracos da gradeonde não cabe aceso um fio de revolta.E a nossa indolência, quiçá indigência,vagueia alucinada, parecendo serena,pelo ar pesado que nos tolhe os pulmões,submersos no plágio mentalda nossa carne servil.Mas, se em nós houverqualquer virtude plasmada no fígado,seja na fresca sorte da chuvaou no quente quebranto do vento,só quebrando a frescura do silêncio agressorpara então ouvir as palavras despidas.Jaime Portela
Translater
quinta-feira, 30 de março de 2017
Se o silêncio nos agride [113]
quinta-feira, 23 de março de 2017
Procura-me [112]
Procura-me nas tuas palavras,nos teus gestos ou no disfarceda serenidade que te devasta.Esmagarei o que te assombra.
Descobre-me no teu corpo,no teu sangue ou no amordaçado recatoque desmaia o teu olhar.Lamberei as tuas feridas.
Segreda-me os teus medos,os teus silêncios ou as fraquezasque estalam desalmadas no teu peito.Beijarei a tua alma.
Procura-te, do teu vinho serei ébrioa voar no teu regaço.
Descobre-te, serás a pele que bebonas asas do meu abraço.
Jaime Portela
quinta-feira, 16 de março de 2017
A rosa que há em ti [111]
A rosa que há em tina dolência dos teus gritos,quero vê-la abrir-se de orvalhoe de cores carmim revestida,quero vê-la ao adormecermosnas nuvens das copas das árvoresque plantámos com ventos de mar,os mesmos que nos inspiramnuma torrente de igual fulgor.Essa rosa, franzina no riso,que de tão sensívelte atinge e subjuga inabalável,quero tocá-la,trajada com a fragilidade ilusóriada areia que o mar julga destroçar,ao nos fundirmos deitadosna fogueira da inquietudedos incêndios vivos da carne.A rosa que guardas circunspecta,que na seiva do teu querer me levantae me empurra para ti, é uma florque te aumenta, que antes nunca vi.Autor: Jaime Portela
quinta-feira, 9 de março de 2017
Esta noite [110]
Esta noite,ao caminhar no inventárioque das nossas memórias conservo,engoli o mar que nos une e separana vastidão de um tempo sem tempoe abracei-tecom o sal que me acende de sol.Esta noitelevei-te flores roubadasdo jardim que para mim plantastee nem uma ficou,para que novos canteiros se abramcom a chuva salgada pelos beijosde flores e carícias sedentos.Esta noiteacreditei que podia voar e fui ver-tede nuvens despida à espera de mim.Cedi à saudade,nutri de certezasa tua arca de pétalas roxase bebi inteira a tristezaque teima em queimar o teu peito.Esta noitederramei orvalhosna rosa que há no sol do teu corpo.Esta noitesalgaste os meus lábios,bebi o sal que ao sol te ofereci.
Jaime Portela
quinta-feira, 2 de março de 2017
Ainda há tempo [109]
Ainda que convencidosda cumplicidade da peleque no corpo estala em arroubos da carne,poderão ser mendigas as mãosque nas noites de espuma se enlaçam.Ainda que convencidosdo poema que do afeto se abre,os verbos poderão vacilar nos seus passose cair em jardins destroçados,soçobrando no lodo de pétalas mirradas.Mas, mesmo que o sol já tenha almoçado,ainda há luz, e, enquanto o luar crescee nos abraça, ainda há tempo de acariciarmosos versos da querença buliçosana rima do desejo dilatada.Meu amor,ainda há tempo de sol, ainda há tempo de luar,para que a nossa pele se confundanas mãos que a fazem vibrar.
Jaime Portela
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