Translater

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Criados para envelhecer [333]

 

Enquanto as minhas mãos

vão sublimando

o cariz da tua essência,

o mar em alvoroço é amansado

pelo tão alado eco

das asas brancas do teu voo.

 

No mesmo ventre

onde se nutrem os segredos,

que se beijam adolescentes

no tom das frases de amor,

colamo-nos ao ritmo das imagens

onde sonhamos voar.

 

Renascemos no caminho

e na síntese de nós,

com a mesma respiração

que nos atraiçoa e atrai,

e até nos esquecemos

que fomos criados para envelhecer.



© Jaime Portela, Maio de 2021


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Supondo a salvação [332]

 

Supondo a salvação,

num renascer indiferente

aos preceitos divinos e humanos,

dei os passos para me condenar

num amor proscrito.

À chegada dos meus passos

o teu corpo curou-me das feridas,

a tua boca derramou fragrâncias

nas minhas cicatrizes,

a tua crença abriu uma nesga de luz

na noite da minha inquietação

e os teus olhos atearam o meu deleite.

Foi a minha bênção pós-moderna,

a libertação, a medrança e o declínio,

o avizinhar do meu fim.

Moldei a vida tal como o futuro

sintetiza o mundo sem limites.



© Jaime Portela, Maio de 2021


quinta-feira, 13 de maio de 2021

Falo apenas do que sei [331]


 

Falo das coisas reais

da minha imaginação,

porque o que não imagino,

não existe.

As flores que vão surgir

no meu jardim já existem

na minha imaginação,

mas nunca haverá flores,

nem primavera, no tráfico

e na exploração de pessoas,

nas missas do padre pedófilo,

no racismo, na xenofobia,

na corrupção, na poluição

ou em qualquer ditadura.

Falo apenas do que sei,

porque se falar do que não sei,

passo a sabê-lo.



© Jaime Portela, Maio de 2021


quinta-feira, 6 de maio de 2021

Covil de nevoeiros [330]

 

Há, em certas coisas que me assaltam,

uma intriga de átomos

na procura quântica da sua órbita

que nem eu próprio sei esclarecer.

A cada passo,

visito esse covil de nevoeiros,

onde florescem as dúvidas

edificadas em raízes engordadas pelo diabo

ou em destemperos, que

[à falta de melhor ideia]

atribuo a deuses brincalhões.

Vacilo no indagar,

mas ao meu ânimo é abismo o patamar

onde o palpável do ser

se confunde com a miragem.

Mas tudo fica claro ao tocar a tua luz,

talvez porque os átomos girem ao contrário

quando chegas até mim

com a nudez de uma pedra preciosa.



© Jaime Portela, Maio de 2021