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segunda-feira, 27 de maio de 2024

O tempo e o amor [562]

 


Nómada ou sedentário,

o tempo foge-nos

ou escolta-nos

em provas aleatórias

nos andamentos da vida.

 

Mas é o tempo que se move

ou somos nós

e o nosso arbítrio

que se apressa ou abranda?

 

Como tudo é relativo, tanto faz,

é na arritmia dos momentos

que se intuem os sincronismos

dos sotaques

que constroem o amor.

 

© Jaime Portela, Maio de 2024


segunda-feira, 20 de maio de 2024

Todos diferentes todos iguais [561]

 


Há uma doença,

com visões tão grotescas

de tão assimétricas com a realidade,

que despreza os de si diferentes.

Assim, todos deviam ser brancos,

da sua religião,

do seu partido e do seu clube de futebol.

Pretos,

imigrantes,

ciganos,

homossexuais

e demais aberrações humanas

jamais deveriam existir nas proximidades.

Ignoram que todos somos diferentes,

que cada pessoa é uma raça

e, por isso, todos iguais.

E também ignoram que são as misturas

que produzem os sabores únicos

que inundam a Natureza

e a beleza do arco-íris da humanidade.

 

 

© Jaime Portela, Maio de 2024


segunda-feira, 13 de maio de 2024

Feijões fervidos [560]

 


Os quadros são mais surrealistas

que as telas do Salvador Dali

e a procura desusada

do rosto da culpa sem mãos

é uma agulha num palheiro em chamas.

 

Os jogos de cores distorcidas

burlam os óculos

presos a espelhos côncavos

impingidos pelo grande masturbador

para encaixilhar a visão

na verdade mais conveniente.

 

E, apesar da alta definição do plasma,

as imagens perdem-se

na miopia causada pelas palavras de lama

e o som é tão mau

que nem a linguagem dos surdos,

ou mesmo Beethoven,

o conseguem explicar.

 

Desisto da construção mole com feijões fervidos,

vou ler de novo o Crime do Padre Amaro

(já sei quem é o culpado)

ou o Canto IX dos Lusíadas

e descobrir onde é a Ilha dos Amores.

 

© Jaime Portela, Maio de 2024


segunda-feira, 6 de maio de 2024

Invisível [559]

 


Invisível de tão minúscula,

hábil nas baixezas e renúncias

a que me obrigas

como se fosses a lei da gravidade,

pensas-te um universo da razão,

capaz de construir e duvidar de Deus.

É difícil encontrar-te

de tão penada e tão contente

mas capaz de salpicar

os meus sonhos com tantas estrelas

que não sei

qual é a polar para me orientar.

Asseguras, rejeitas

ou afrontas tudo e todos,

sempre consternada ou inquieta,

mas nunca saciada.

Ditas-me regras e privações,

tiras-me a liberdade

e lanças-me aos safanões

no caos da argamassa híbrida

que o povo mescla.

Agora que te conheço,

és a maior e a menor parte de mim.

Mas, sem ti,

minha alma,

apesar de tudo a que me obrigas,

não seria o que sou,

seria um infame desalmado.

 

© Jaime Portela, Maio de 2024