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segunda-feira, 13 de maio de 2024

Feijões fervidos [560]

 


Os quadros são mais surrealistas

que as telas do Salvador Dali

e a procura desusada

do rosto da culpa sem mãos

é uma agulha num palheiro em chamas.

 

Os jogos de cores distorcidas

burlam os óculos

presos a espelhos côncavos

impingidos dos pelo grande masturbador

para encaixilhar a visão

na verdade mais conveniente.

 

E, apesar da alta definição do plasma,

as imagens perdem-se

na miopia causada pelas palavras de lama

e o som é tão mau

que nem a linguagem dos surdos,

ou mesmo Beethoven,

o conseguem explicar.

 

Desisto da construção mole com feijões fervidos,

vou ler de novo o Crime do Padre Amaro

(já sei quem é o culpado)

ou o Canto IX dos Lusíadas

e descobrir onde é a Ilha dos Amores.

 

© Jaime Portela, Maio de 2024


segunda-feira, 6 de maio de 2024

Invisível [559]

 


Invisível de tão minúscula,

hábil nas baixezas e renúncias

a que me obrigas

como se fosses a lei da gravidade,

pensas-te um universo da razão,

capaz de construir e duvidar de Deus.

É difícil encontrar-te

de tão penada e tão contente

mas capaz de salpicar

os meus sonhos com tantas estrelas

que não sei

qual é a polar para me orientar.

Asseguras, rejeitas

ou afrontas tudo e todos,

sempre consternada ou inquieta,

mas nunca saciada.

Ditas-me regras e privações,

tiras-me a liberdade

e lanças-me aos safanões

no caos da argamassa híbrida

que o povo mescla.

Agora que te conheço,

és a maior e a menor parte de mim.

Mas, sem ti,

minha alma,

apesar de tudo a que me obrigas,

não seria o que sou,

seria um infame desalmado.

 

© Jaime Portela, Maio de 2024


segunda-feira, 29 de abril de 2024

Vive sem pressa [558]

 


Vive sem pressa,

mas vive cada momento

como se fosse o último.

Investe o teu tempo a agarrar a vida

como se fosses uma nuvem

a saborear o vento

ou como se fosses um girassol

que acompanha o sol diariamente.

Vive consciente das realidades

porque são efémeras

e vais deixá-las em breve.

Veste um sorriso

e esquece os desaires passados,

dorme agarrado à mente vazia

e sonha com a quietude da paz.

Encara sempre a verdade

e procura superar os obstáculos

porque és um animal

concebido para a alta competição

mas também para ajudar os mais fracos.

 

 

©Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 22 de abril de 2024

A ditadura que Abril desfez [557]

 


O sol ficou diferente

e o vento soprou a mudança

na ditadura que Abril desfez.

Nas asas da liberdade germinou

a semente da justiça em cada praça

e a tirania cedeu

com o povo a erguer a sua voz.

Brotou a esperança

de mãos dadas

com a paixão vermelha dos cravos

no reprimido sonho da igualdade.

Que jamais retorne

a ditadura que Abril desfez.

 

© Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 15 de abril de 2024

Teatro Circo – Há nuvens em Abril [556]

 


Personagens:

·        Palhaço Habilidoso – André Ventura (líder do Chega, partido populista de extrema direita)

·        Elefantes – Deputados do Chega

·        Leão Equilibrista Mentiroso – Luís Montenegro (atual 1º ministro)

·        Domador Ilusionista – Marcelo Rebelo de Sousa (atual presidente da República)

 

 

1ª Cena - O circo

 

Há nuvens em Abril

alimentadas por um palhaço habilidoso

com a ajuda de elefantes quase todos iletrados

num circo onde o leão equilibrista,

que os poderia pelo menos assustar,

mas não é surdo

e vai dançando no trapézio da mentira

sem pensar matar-se se ninguém o segurar.

 

 

2ª Cena – As linhas vermelhas oscilantes

 

Há nuvens em Abril,

numa arena onde os cravos são ignorados

por malabaristas saudosos do chicote,

onde o novato acrobata

e arrogante equilibrista das linhas vermelhas,

que oscilam conforme lhe dá jeito,

já culpa quem não o ajudar antes mesmo de cair.

 

 

3ª Cena – O domador ilusionista

 

Há nuvens em Abril,

mas, do seu palácio,

onde as suas nuvens são sopradas para longe,

o domador ilusionista de ginjas, cunhas,

gelados e demais parágrafos e cenas teatrais,

assiste inebriado

ao contorcionismo geral por si criado

e virá à ribalta anunciar

que apagará com água benta o fogo que gerou

ou, inspirado por Nero,

com mais fogo que de novo cuspirá.

 

 

4ª Cena – A humilhação dos cravos

 

Há nuvens em Abril,

os cravos são humilhados

por uma manada de elefantes atrás de um palhaço,

onde o leão, aspirante a vítima, desafia que o derrubem

e o ilusionista joga com o fogo que no circo atiçou

para soprar as suas nuvens para longe.

 

 

5ª Cena – O choque fiscal aldrabão

 

O tremor da voz torna-se forte

e agitam-se nos engasgues dos ajudantes do leão,

acoitado nos bastidores do choque fiscal aldrabão,

num choro reprimido no aterro do mal-estar,

enquanto os enganados, todos menos ele,

em breve lhe darão o troco com juros acrescidos.

Se ainda for vivo, mas há nuvens em Abril.

 

 

© Jaime Portela, Abril de 2024


segunda-feira, 8 de abril de 2024

Os preguiçosos [555]

 


Erram como borboletas sonolentas

evitando a dureza das pedras do caminho,

deixando-as livres

para os voos retilíneos dos outros.

Numa senda norteada pelo culto do ócio,

de onde nem se apercebem

do trabalho das árvores

quando libertam os seus braços verdes

num hino de esperança,

pisam os rebentos aromáticos

que lhes resvalam dos dedos ensonados.

Coerentes,

são capazes sobreviver à sombra dos outros

e de morrer à sede enquanto chove.

 

© Jaime Portela, Abril de 2024