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quinta-feira, 26 de abril de 2018

À sombra do teu sol [169]




Gosto do sol e da sombra abarcados
no mar salgado do teu porto de mim.
Gosto dos faróis engaiolados
na gávea dos mastros,
a iluminar-nos o silêncio nu que se liberta
no peito das velas que nos fazem navegar.

Gosto do teu ar afoito no incêndio
do meu passo.
Gosto do néctar que corre, na inquietação
de mostrar que ainda há tempo de florir
a rosa que há em ti
sem o medo dos sustos de criança.

Gosto do teu borbulhar quando vês
que há quem diga que encontrei um tesouro.
Gosto quando te vestes de amor
ao saberes que esta noite acordei para ti,
de novo virgem,
com a sede de um deserto.

Gosto de ti meu amor,
procura-me nas tuas palavras.
Estou a beijar-te à sombra do teu sol,
dentro de ti.



  © Jaime Portela, Abril de 2018

 

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Sai depressa [168]




No rumo a escolher,
para se chegar
ao destino pretendido,
tudo deve ser bem claro.

Como os mares fechados o são
para o navegante.

Não para ver o ponto da chegada,
só o caminho
que guie como ponte.

Quando errante
no mar cavado da solidão
que a tristeza escurece,
alumia-te e sai depressa,
proclama-te ponte na partida
e sê o porto de ti mesmo.



© Jaime Portela, Abril de 2018

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Senhores juízes [167]



Nos dias que correm, há quem,
magro cordeiro, espere a faca na garganta
enquanto esgana,
recolhido no torpor da resignação,
o desespero acavalado
com pastilhas de esperança.

E também há quem, mirrado obreiro,
esfole o corpo de verdade
enquanto paga,
assente na surda-muda indignação,
os tributos calculados
com juros de ansiedade.

Porque há quem, rico banqueiro,
espete vidas na sarjeta
enquanto arrota,
convencido que a mentira é redenção,
a tantos milhões roubados
com poses de arrogante honestidade.

Senhores juízes, por favor,
não usem facas, não os esfolem,
mas espetem com os corruptos, sem demora,
no paraíso das cadeias onshore



© Jaime Portela, Abril de 2018

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Do morro do Corcovado [166]




Do morro do Corcovado
avistam-se, praias, enseadas e favelas,
mas só alguns enxergam
o mar de glórias e desmandos lusitanos
na memória das caravelas
outrora nas baías fundeadas.

Eu, quando olho para o morro,
vejo apenas o monte de Santa Luzia
da minha Viana do Lima,
porque são as mimosas que descubro
na Primavera ancorada no teu rosto
que o aclaram, douradas.

Qualquer pessoa sente o mesmo
quando está no Corcovado,
mas quase minguem vê as memórias
que eu avisto no teu bailado de musa
sempre que danças o vira comigo
na Romaria da Senhora da Agonia.

Quando, já corcovado, olhar para ti,
ninguém terá mais vida
nem será mais bela que tu,
ainda que os outros, porque são cegos,
não vejam o mesmo que eu.



            © Jaime Portela, Abril de 2018