Olho a urgência de falar
e vejo, dentro de nós, palavras de voz suprema
e de cacarejos inúteis,
palavras de vários remos que nos podem libertar
ou desfazer, como a proa no cais a morrer.
Na praia onde nos debatemos, há palavras
de sítios pejados de tartarugas de pernas para o ar
e palavras de peixe graúdo
com rios por descamar que escurecem a foz.
Mas há palavras de um ror de povo que há de vir
que espalharão a luta por um porto inabalável,
com a recusa do naufrágio da razão.
No cais onde nos vemos
há a presença e a ausência de palavras,
há a infinidade das que acreditam em nós
e há palavras quebradiças
que já não contam com nada e para nada.
No navio onde nos havemos
há velas de palavras enfunadas
e há baixios de palavras onde a quilha se enloda
na deslavada hipocrisia,
há pessoas de palavra
e há mentiras embrulhadas em palavras de veludo.
À nossa volta,
há um mar de palavras nunca ditas
que os cordelinhos de mão torta decretam abolidas.
Quase amarrados,
vejo dentro de nós a urgência da palavra depurada
e a pulsão impreterível de encontrar
a liberdade no falar verdadeiro e redentor.
© Jaime
Portela, Maio de 2022