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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Deste calor que se esvai [156]



Deste calor que se esvai,

cuja falta me irá fazer triste,

dele guardo lenha enxuta

para o inverno, na ideia prevenida

de conservar algum fogo.

 

Por cada sonho que surge,

derrotados os tremores inevitáveis,

iludo as nuvens,

para não me arrefecerem

na procura de um viver clareado.

 

Por isso,

quero-te minha

no viço da maturidade, ainda flor,

para que desverdeças comigo

sem o sol-posto ao peito.





            Jaime Portela


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Incontáveis são os eus que nos habitam [155]



Incontáveis são os eus que nos habitam.
Diferentes os meus dos teus,
mesmo não os podendo comparar,
porque, tal como tu, por dentro não me vejo.
Vejo-te quando te imagino ou sinto,
mas desconheço qual de mim te vê.
Não sei qual de ti me imagina e sente,
nem sei qual de mim tu vês.
Se eu chamar de alma
àquilo que em nós imagina e sente,
as almas que temos são muitas.
Tantas almas quantos os eus,
que lutam entre si continuamente
para monopolizarem o imaginar e o sentir.
Porém, quando nos tocarmos, vamos contar
quantas das nossas almas se beijam
e, só então, saberemos se é com amor
que os nossos eus se entrelaçam.




Jaime Portela


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Conheces-me nos raciocínios das mãos [154]



Conheces-me nos raciocínios das mãos,
nos considerandos do corpo e,
nas rugas engomadas do que sinto,
sabes dos reinos a ti semiabertos,
que nunca semicerrados o foram.

Nas tuas mãos,
já não tuas, mas minhas, que as quis,
teci uma auréola que bendiz
o teu corpo de Rainha coroado,
não a alma, que é de Deusa.

Nas minhas mãos,
já não minhas, mas tuas, que as usas,
debruaste um cetro que não vejo,
mas que sentes sob o manto da ternura,
também minha.

Por isso,
se da vida não sobrar maior gosto
que o ascético sentir,
sintamo-nos então e,
sem tatear,
moldemos cegos o sustentável.



Jaime Portela


quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Miragens [153]




Vozes
pretensamente guias
de espectadores involuntários,
líquidas e voláteis como todos nós,
vendem-nos as miragens
que cobiçamos.

Encurralados no labirinto da vida
que nos desenharam,
esquecemo-nos de pensar em nós,
verdadeiros,
e contemplamos enganos
que nos dominam
escravos de os venerarmos luzentes.

Porém, é na bondade fingidora,
a fazer de ainda maior
como o pão a levedar
(a esmola é grande),
que temos de aprender a medir
a distância a que de nós
está o céu que nos prometem.

 



Jaime Portela