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quinta-feira, 29 de março de 2018

A poesia só existe no olhar [165]




Há poemas
que são figuras de estilo
com o diabo no corpo,
onde o poeta se perde a beijar os versos
sem pudor dos seus leitores.

Mas há poemas
que dispensam as palavras
para que tenham a música
e os acordes de um concerto
ou as cores e os esmaltes de uma tela.

Na verdade,
os poemas não são poemas,
porque as palavras,
a musica e as cores
estão na alma e nos olhos de quem lê.

A poesia só existe no olhar,
porque as palavras apenas te dizem
para onde deves olhar.




© Jaime Portela, Março de 2018


quinta-feira, 22 de março de 2018

Mesmo na sombra [164]




Procuramos a verdade em ambientes incertos,
onde vemos que as flores nem sempre
têm as mesmas cores.
Se é a bruma ou o silêncio que as altera,
não o sabemos,
mas devemos admitir que a nossa pele,
por vezes,
não compreende a luz do sol que a ilumina.

Quando as nuvens, indiferentes, passam por nós,
fortalecemos a alma
se formos sábios a sofrer,
se não deixarmos de ver as flores como elas são
na sombra que sobre elas se abate.
Porque o contrário distorce o ar das coisas
e o que os nossos olhos veem
enfraquece-nos o espírito.

Por isso, mesmo na sombra,
continuas a ter as cores do arco-íris
e a ser a minha flor: existes em mim e sou feliz.




Jaime Portela

quinta-feira, 15 de março de 2018

Meio afogado e nu [163]



Vou fazendo os meus poemas
com a vontade que as palavras
ganham ao escrevê-las,
como se elas tivessem vida própria
e eu não.
Ainda assim, procuro vergá-las
para as fazer pulsar do que sinto,
numa luta contra a corrente
de um rio onde arrisco a despir-me
para melhor o atravessar.

Vou caminhando para ti
de igual modo, com o desejo
nos passos que invade o meu andar
ao percorrer o trajecto,
como se eles tivessem vontade própria
e eu não.
Confesso que tento resistir
para esconder o que sinto,
mas o entusiasmo vivo do rio
vai-me arrastando para a foz.

A menos que fujas,
mais cedo ou mais tarde chegarei a ti
vestido de fogo e sem palavras,
ainda que meio afogado e nu.



Jaime Portela

quinta-feira, 8 de março de 2018

O erro da incerteza [162]




Saber olhar sem mais nada fazer
é uma arte indispensável,
porque não pensar enquanto te olho
é saber encher a minha alma de ti.

Não olhar para mais nada
enquanto medito, também o é,
porque não te ver enquanto penso em ti
é saber como te vejo quando te olho.

O que eu vejo de ti, és tu, nada mais,
tal e qual como te veem os demais.
És uma exatidão determinável
sem fugas à realidade verdadeira.

O que eu penso de ti, não és tu, és outra,
diferente do que os outros pensam.
És um erro variável, com um desvio
à verdade indemonstrável.

Mas, de te ver e de tanto em ti pensar,
desprezei o erro da incerteza
demonstrável na verdade de te amar.



Jaime Portela

quinta-feira, 1 de março de 2018

A caipirinha branca e pura do prazer [161]





Pensando sem pensar,
gostava que te despisses,
que te libertasses dos fardos
que te entregaram pintados de preconceitos
e esquecesses o que aprendeste.

Pensando melhor,
gostava que abandonasses
a forma de recordar
o que te contaram e volatizasses os vinhos
que te assombraram a memória.

Pensando pensadamente,
gostava que libertasses
o teu genuíno sentir,
que te desafogasses do norte dos parasitas
e que fosses tu, apenas tu.

Parando de pensar,
gostava que aprendêssemos a beber descalços
a caipirinha branca e pura do prazer.




Jaime Portela