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quinta-feira, 31 de maio de 2018

És a minha casa [174]





Quando olho a minha casa,
o que eu vejo é diferente
da imagem que outros veem.

Vejo abertamente por dentro
a parte aos outros fechada,
que a de fora
aos meus olhos nada encobre.

Os outros desconhecem a cor
dos tapetes e das flores,
a luz que as paredes espalham
e até por quantas janelas e portas
a casa se refresca.

És a minha casa, meu amor,
não te vejo só por fora.
Quando olho para ti,
vejo-te toda,
és transparente e a tua beleza é real.




© Jaime Portela, Maio de 2018


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Persistiremos [173]




Aliados,
cicatrizamos as desventuras
despidos ao Sol,
mas a mágoa não se abate redonda,
de olhos fechados,
em pecados já mortos
pelo fogo dos nossos milagres.

De mãos dadas,
encolhemos as fronteiras das sombras,
detendo a noite,
e apostamos em cruzadas
de palavras brancas
para enterrar vivos
os nossos fantasmas que rosnam.

Mas continuaremos a voar
transpirados de gritos nas veias
e a respirar suspiros na síntese da voz,
que a garganta adelgaça,
enquanto não tocarmos
em pássaros a rir de tristeza.

E persistiremos
em esvaziar as circunstâncias da carne
que fervilha de seiva
e em encher a alma com uivos de Sol
enquanto não ouvirmos sereias
a chorar de prazer ao luar.



© Jaime Portela, Maio de 2018


quinta-feira, 17 de maio de 2018

Destino [172]




Do tempo,
em nós encavalitado
e incapazes de o impedir
rumo ao infinito irrevogável,
somos pauzinhos inúteis
na engrenagem do pêndulo sideral.

Nesse trajeto,
que acompanhamos
com a mesma influência das pedras,
reeditamo-nos em mortos futuros
para alongar a viagem
que sabemos finita.

Mas, incongruentes,
derretemos demasiado gelo no uísque
do nosso consumismo
e abreviamos enfatuados a excursão,
cada vez mais quente e contaminada.

Depois disso, o tempo caminhará
sem a nossa companhia,
a menos que tenhamos arte e engenho
de nos mudarmos para outro relógio
a tempo inteiro habitável.

 

© Jaime Portela, Maio de 2018


quinta-feira, 10 de maio de 2018

Quando a claridade surge [171]




Quando a claridade surge
do ventre da noite,
és a derradeira musa
a esconder-se no palco.
E ainda a noite estrebucha,
já gasta e quase morta,
és a primeira graça
a entrar em cena com luz.

Nessa metamorfose,
demoro-me na indecisa crisálida
que troca de vestes
e acaricio desbragadamente
o teu corpo,
num camarim aceso
pela sorte que me apraz
em ter o ensejo
de te ver assim intacta.

Mas…
Não me pertences… És perfeita,
em mim, integralmente.
És íntegra, para além de mim,
perfeitamente.


© Jaime Portela, Maio de 2018


quinta-feira, 3 de maio de 2018

Se me lembro de ti [170]




Se me lembro de ti
e do teu corpo em suspiros,
o inverno afasta-se, tocado pelo calor
da  brisa libertada pelo teu nome.
Então, sei que estarás comigo a despir
as pétalas do teu sorriso
e sei que beijarei cada bem-me-quer
que nos teus olhos cintile.

Num festim mais que perfeito
de uma verdade só nossa,
não alheia, muito menos desatenta
às emoções do estio
que tinge a nossa pele de amor,
vejo então o teu desejo florir
sublimado no lampejar dos teus olhos
e o nosso sangue é feliz.



© Jaime Portela, Maio de 2018