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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Alterações climáticas [631]

 


Curvado sobre a terra

a fazer regos para que a água passe

e regue o milheiral na perfeição,

cavo com o jeito dos meus antepassados.

Ao mesmo tempo,

desço um rio bem largo e caudaloso

dentro de um barco a remos

evitando dragões que dormem nas margens.

E eis que salta uma rã aos meus pés

e um dragão cospe fogo

por cima das águas turvas do rio.

O susto e o desassossego misturam-se,

salto para o rego seguinte,

que ainda está seco,

e remo depressa para fugir ao dragão.

As duas coisas são claras como água

de uma fonte cristalina:

a terra molhada da enxurrada

que os meus pés descalços pisam

e a quilha do barco em terra seca

onde os remos proclamam

uma contínua chiadeira por falta de óleo.

Olho para trás e vejo que o milho

está a ser queimado pelos dragões.

O convés está cheio de gente,

a assistir, insegura e curiosa,

enquanto come pipocas e bebe coca-cola

a olhar para o espetáculo da fumarada.

 

 

© Jaime Portela, Setembro de 2025


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