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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Alzheimer [632]

 


O nevoeiro

retira gradualmente as mãos do pensamento.

Os gestos ficam desorganizados, até suicidas,

à espera que as curvas sinuosas das andorinhas

indiquem o caminho sem destino conhecido.

A espada invisível quase toca no pescoço

e a fala encurta o acento

numa insciência tónica gradativa.

Os desconjuntos das palavras não rimam

e andarilham em ziguezagues hilariantes

por atalhos aleatórios incitados pelo vento.

Cada miscelânea da memória

plasmada pelos sonhos na realidade

circula em contramão

e Deus e o Diabo

estão cada vez mais enovelados.

Ainda que chovam ajudas

a mirração do propósito acaba num rio sem caudal.

A demência abre a porta e alimenta-se da memória

até que fica dona das palavras e dos gestos

até ao fim, afortunadamente ignorado.

 

 

© Jaime Portela, Setembro de 2025


A Doença de Alzheimer é uma doença neuro degenerativa crónica e a forma mais comum de demência. Manifesta-se lentamente e vai-se agravando ao longo do tempo. O sintoma inicial mais comum é a perda de memória a curto prazo, com dificuldades em recordar eventos recentes. Os primeiros sintomas são geralmente confundidos com o processo normal de envelhecimento. À medida que a doença evolui, o quadro de sintomas inclui dificuldades na linguagem, desorientação, perder-se com facilidade, alterações de humor, perda de motivação, desinteresse por cuidar de si próprio, desinteresse por tarefas quotidianas e comportamento agressivo. Em grande parte dos casos, a pessoa com Alzheimer afasta-se progressivamente da família e da sociedade. Gradualmente, o corpo vai perdendo o controlo das funções corporais, o que acaba por levar à morte. Embora a velocidade de progressão possa variar, geralmente a esperança de vida após o diagnóstico é de três a nove anos. (in Wikipedia).


Este poema foi escrito com base na observação desta doença em 3 pessoas da família.


4 comentários:

chica disse...

Muito linda tua poesia lembrando essa triste doença que cada vez mais vemos pero de nóis! Que sejamos poupados desse "nevoeiro" !
abraços praianos, chica

São disse...

Gosto do poema, lamento que tenhas observado a doença em tantos familiares.

Receio terrívelmente a perda de autonomia seja qual for a área de vida. Prefiro a morte.

Caloroso abraço, meu amigo, boa semana.

Pedro Coimbra disse...

As doenças degenerativas são o meu maior terror.
Horror para quem padece das mesmas e para quem rodeia essas pessoas.
Abraço, boa semana

Eduardo Medeiros disse...

Olá, Jaime.
Teu poema me toca de forma especial. Minha mãe durante 11 anos se viu enevoada a cada ano um pouquinho mais, pelo Alzheimer. Foi triste perdê-la aos poucos, mas do que a tivesse perdido de repente.
Cuidamos dela até o fim.
Ela se foi, amada até o fim.